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19 de Abril de 2024
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    Lei das Cautelares mudou aplicação da Maria da Penha

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 11 anos

    A Lei 12.403/11 alterou substancialmente o sistema das cautelares criminais, com repercussão direta na Lei Maria da Penha (LMP), já que o Código de Processo Penal (CPP) se aplica na violência doméstica praticada contra a mulher por expressa disposição dos artigos 12 e 13 da Lei 11.340/06 (LMP). Vejamos.

    Finalidade das cautelares x medidas protetivas

    As medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, embora sejam espécies das medidas cautelares criminais, têm finalidade diversa das cautelares previstas no CPP. Os requisitos típicos destas (fumus comissi delicti e periculum libertatis, nos termos dos artigos 282, I e II, e 312 do CPP), não se confundem com os requisitos indispensáveis ao deferimento das medidas protetivas, como lembra o promotor de Justiça Amom Albernaz Pires (2011).

    De fato, o novo artigo 282 do CPP, homenageando os elementos do princípio da proporcionalidade, dispõe:

    Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

    I necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

    II adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

    O inciso I do dispositivo deixa claro o objetivo maior das medidas cautelares criminais: garantir o processo. Pretende-se evitar a fuga do acusado (aplicação da lei penal) ou que ele perturbe a investigação ou a instrução criminal. O inciso prevê também a necessidade de evitar a prática de infrações penais, mas somente nos casos expressamente previstos, ou seja, nas exceções. A regra, portanto, é garantir o resultado do processo, conforme vocação antiga tanto das cautelares criminais quanto cíveis.

    Ao contrário, as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha não são instrumentos para assegurar processos. O fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. E só. Elas não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Elas não visam processos, mas pessoas (LIMA, 2011).

    A LMP foi expressa quanto a esses objetivos, ao determinar que as medidas visam a proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio (art. 19, § 3º), e devem ser aplicadas sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados (art. 19, § 2º) e sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem (art. 22, § 1º).

    Assim, a própria LMP não deu margem a dúvidas. As medidas protetivas não são acessórios de processos principais e nem se vinculam a eles. No ponto, assemelham-se aos writs constitucionais que, como o habeas corpus ou o mandado de segurança, não protegem processos, mas direitos fundamentais do indivíduo.

    Portanto, as medidas protetivas são medidas cautelares inominadas que visam garantir direitos fundamentais e coibir a violência no âmbito das relações familiares, conforme preconiza o artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição da República. Ou, como já sustentado por Didier Jr e Oliveira, representam modalidade de tutela jurisdicional diferenciada que se aproxima das medidas provisionais satisfativas constantes do artigo 888 do CPC, mas que não teriam conteúdo cautelar e prescindiriam do ajuizamento de uma demanda principal (PIRES, 2011).

    Assim, a discussão instalada em parte da doutrina, no sentido de perquirir qual a natureza das medidas protetivas, se cíveis ou criminais, é desnecessária, porque pressupõe um processo principal a ser protegido.

    Ademais, as medidas protetivas não buscam provar crimes, até porque podem ser deferidas mesmo em sua ausência:

    No ponto, também divergem das cautelares penais (busca e apreensão, interceptação telefônica, prisão temporária, etc.), que visam provar a prática de um crime no bojo do processo penal, ou da prisão preventiva, que, embora possa ter como um dos seus requisitos a garantia da integridade das vítimas, só se sustenta se houver indícios suficientes da prática de crime. Ora, as medidas protetivas previstas na LMP não se prestam para provar crimes. Elas podem inclusive ser requeridas mesmo quando não seja praticada infração penal. Basta a ocorrência de alguma das violências domésticas elencadas no art. 7º da LMP, pois a Lei busca enfrentar a violência, que nem sempre terá um tipo correspondente na legislação penal. (LIMA, 2011)

    Ausência de contraditório

    O art. 282 do CPP dispõe que:

    § 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.

    Assim, o novo sistema prevê, como regra geral, a oitiva prévia do suspeito antes da aplicação de alguma cautelar, em homenagem ao princípio do contraditório. Ressalva apenas os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida.

    Esse dispositivo conflita com a Lei Maria da Penha, que determina a concessão imediata da protetiva, no prazo de 48 horas e independentemente de manifestação prévia do acusado e do próprio Ministério Público:

    Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

    I conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; ()

    Art. 19. ()

    § 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

    Dessa forma, ao contrário das cautelares gerais, não se aplica o contraditório para a concessão de medidas protetivas, até porque, como vimos, a sua finalidade não é resguardar processos, e sim pessoas, de forma que a oitiva prévia do acusado pode inviabilizar a própria segurança das vítimas.

    Nada impede, porém, dependendo do caso, que o juiz determine uma audiência de justificação, na forma prevista no artigo 804 do Código de Processo Civil, para ouvir as partes. Tal audiência não implica intimação prévia do acusado para responder ao pedido, mas apenas para participar do ato.

    Medidas protetivas de ofício

    O novo artigo 282, parágrafo 2º, do CPP, proíbe a concessão de cautelares de ofício pelo juiz na fase investigatória. Essa regra geral, que aprimora o sistema acusatório no processo criminal, não se aplica às medidas protetivas.

    Como vimos, a finalidade das medidas protetivas é diferente das cautelares criminais tradicionais. Enquanto estas visam garantir o processo e ajudar na apuração do crime, aquelas buscam proteger a própria integridade da vítima, em outras palavras, os direitos humanos mais básicos.

    Dessa forma, não ofende o princípio acusatório a concessão de medidas protetivas de ofício pelo juiz, pois, no caso, este atua como garante de direitos fundamentais (função basilar do Judiciário), e não como agente direcionado a provar crimes ou resguardar o resultado do processo.

    Por isso, nos termos dos artigos 18 e 19 da Lei Maria da Penha, o juiz pode conceder medidas protetivas de ofício no inquérito, sem ouvir as partes e sequer o Ministério Público. Esta disposição afasta a regra geral do atual artigo 282, parágrafo 2º, do CPP, mas mantém íntegro o sistema acusatório.

    Ressalve-se, porém, que o juiz não pode conceder de ofício as medidas cautelares do CPP no inquérito, mesmo em defesa da mulher em situação de violência doméstica. O mesmo se diga quanto ao decreto de prisão preventiva, conforme veremos no próximo tópico.

    Prisão preventiva de ofício no inquérito

    O artigo 20 da Lei Maria da Penha admite a prisão preventiva decretada de ofício pelo juiz tanto no inquérito quanto no processo. No ponto, repetiu a regra então prevista no artigo 311 do CPP.

    No entanto, a Lei 12.403/11 mudou essa disposição, vedando ao juiz o decreto de prisão preventiva na fase policial sem o pedido do delegado ou do promotor de justiça, estabelecendo nova redação ao artigo 311 do CPP.

    Essa mudança aprimorou o sistema acusatório, quem tem sede constitucional (SILVA, 2010), pois ao juiz deve ser garantida equidistância da fase investigativa, sob pena de ser contaminado pelo lavor persecutório. Imagine-se o decreto de uma prisão cautelar no inquérito com a discordância do Ministério Público. Se o titular exclusivo da ação penal sequer formou sua opinio delicti o...

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