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19 de Abril de 2024

Cobrança de honorários pela União viola regras processuais

Publicado por Consultor Jurídico
há 10 anos

O patrimônio é um dos instrumentos de realização da personalidade humana. A Constituição Federal, que consagrou a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República (artigo , III da CF), cercou-a de direitos e garantias, seja numa perspectiva individualista, seja numa perspectiva social-redistributiva, que consagram bens e obrigações suscetíveis de valoração econômica que constituem o arcabouço jurídico do patrimônio.

A propriedade (artigo , XXII e XXIII CF), a herança (artigo , XXX da CF), os direitos patrimoniais do autor (artigo , XXVII da CF), somente para citar alguns direitos do rol dos direitos fundamentais, são direitos patrimoniais cuja estruturação não pode sequer ser reduzida ou suprimida por lei, porque o povo brasileiro, em decisão soberana da Assembleia Constituinte, os colocou a salvo das maiorias legislativas que, de tempos em tempos, se formam no Congresso Nacional.

A Constituição Federal sinalizou que o patrimônio tem uma função de permitir o desenvolvimento da autonomia privada e a plena realização da personalidade humana [1], o que justifica inclusive a proteção dos mais pobres, mediante a proteção da teoria do patrimônio mínimo ou os programas de distribuição de renda do Governo Federal. Sem patrimônio, não há dignidade.

Como a sociedade brasileira escolheu ser regida pela livre iniciativa e pelos valores sociais do trabalho, que são, ao mesmo tempo, um fundamento republicano e princípios da ordem econômica (artigo 1º, IV e artigo 170, caput, da CF), estado e cidadãos devem se submeter à vontade da Constituição.

O problema dos honorários dos advogados públicos, na dogmática dos direitos fundamentais, se coloca justamente diante do completo desrespeito da União sobre os direitos fundamentais dos brasileiros, em especial sobre as regras que disciplinam a atividade financeira do Estado, ou melhor, como ele pode obter dinheiro diante dos direitos e garantias individuais e do espaço reservado à livre-iniciativa.

Na Idade Média, João Sem-Terra, Rei da Inglaterra, assinou a Magna Carta, conferindo aos ingleses o direito de serem tributados apenas mediante o consentimento do Parlamento. No Brasil, a Constituição da República proibiu o Estado de obter dinheiro, intervindo na ordem econômica ou investindo contra o patrimônio das pessoas sem lei que o autorize.

No entanto, a União, no afã arrecadatório para cumprir o superávit primário, age à míngua de qualquer autorização legal e investe contra a propriedade de particulares com os meios mais agressivos de execução forçada, como a penhora, a adjudicação e ou até mesmo a alienação de bens privados em hasta pública, para cobrar, em seu próprio nome, os honorários dos advogados da União.

Os meios típicos de constrição encontram, é verdade, previsão legal nas regras da execução civil do CPC. Todavia, não tem a mesma sorte a pretensão da União: a cobrança em favor de si própria dos honorários de advogado está completamente fora do desenho constitucional dado ao Estado para obter recursos, que prescinde, em qualquer caso, de lei.

Com efeito, a atividade financeira do Estado [2], que consiste na obtenção de dinheiro para custear as necessidades públicas, está plenamente submetida à Constituição, que disciplina a atuação desse ente todo poderoso o Estado nas relações e interferências sobre as atividades econômicas particulares, atrelando-as sempre à legalidade, que representa a primeira garantia contra o arbítrio.

O Estado pode obter dinheiro quando explora atividades econômicas, que estão reservadas aos particulares por força da livre-iniciativa, se necessário for para atender imperativos de segurança nacional ou relevante interesse público, conforme definido em lei (artigo 173 da CF).

O Estado também pode fazer dinheiro exigindo dos particulares tributo sobre fatos de repercussão econômica (artigo 150, I da CF), ou mesmo mediante o endividamento público, pela emissão de títulos, pela realização de operações de crédito ou concessão de garantias (artigo 48, II da CF).

É sempre a lei que permite o Estado auferir receita, seja pela exploração direta de atividades econômicas ou de seu patrimônio (receitas originárias), seja mediante gravames impostos à atividade dos particulares ou pelo endividamento público (receitas derivadas). A atividade financeira do Estado, por razões que chegam a ser óbvias diante do seu poder em face do cidadão, está estritamente e inexoravelmente atrelada à legalidade.

No entanto, passadas mais de duas décadas desde a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, a União retirou milhões de reais do patrimônio dos brasileiros à revelia das exigências constitucionais: trata-se da apropriação dos honorários dos advogados da União devidos nas ações que tramitam na Justiça Federal e nas ações previdenciárias do INSS e execuções da Fazenda Nacional que tramitam na Justiça dos Estados.

Conquanto não se desconheça que há jurisprudência [3] que entende que os honorários de advogado devem integrar o patrimônio da Administração Pública, não há qualquer lei que autorize a União a fazê-lo ou que lhe atribua a titularidade da verba. Na verdade, a única lei que existe sobre o assunto reconhece, literalmente, os honorários como direito autônomo do advogado (artigo 23 da Lei 8.906/94), sem fazer qualquer distinção entre advogados públicos e privados.

A relevância dessa constatação implica a impossibilidade de cobrança de honorários de advogado daquele que sucumbiu numa ação judicial contra a União, suas autarquias e fundações por ilegitimidade de parte e pela violação ao devido processo legal constitucional.

Explicarei melhor.

Os honorários de advogado são verba de caráter alimentar e se destinam a remunerar o trabalho daquele que exerceu, no processo, uma função essencial à Justiça. Sua natureza é eminentemente processual. Não decorre da exploração direta de atividade econômica ou da exploração do próprio patrimônio do Estado. Não decorre de exações sobre a atividade ou o patrimônio particular. Não decorre de obrigações creditícias. O fato gerador dos honorários é a causalidade: são pagos por quem deu causa à instauração de processo contra o ente federal. Honorários de advogado, portanto, decorrem do sistema processual e são um traço peculiar da profissão de advogado quando atua perante o Poder Judiciário, sem paralelo em outros ofícios.

Com efeito, quando se trata de um particular, a verba deve ser paga a seu advogado, incorporando-se a seu patrimônio, sobre o qual adquire a disponibilidade econômica e jurídica desse dinheiro.

Quando se trata de um ente público, a verba também deve ser paga ao advogado, como já ocorre com os jetons (artigo da Lei 9.292/96), que constituem, segundo a Controladoria-Geral da União [4], honorários correspondentes à remuneração percebida por servidores públicos federais em razão da participação como representantes da União em Conselhos de Administração e Fiscal ou órgãos equivalentes de empresas controladas direta ou indiretamente pela União.

Ora, o órgão de controle e transparência do Governo Federal não vê qualquer empecilho no recebimento de honorários por servidores federais. Resta saber porque os advogados públicos não recebem os honorários que decorrem do seu próprio esforço e as consequências p...

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