Novo pacto federativo para aprimorar a democracia brasileira
A agenda constitucionalista para a segunda década deste século certamente não pode ignorar a premente necessidade de aprofundar os debates sobre a organização do Estado brasileiro.
Há um clima de insatisfação no ar que atinge as instâncias tradicionais de representação política e demonstra a importância de maior abertura à participação política e à democratização dos mecanismos de planejamento, formulação e execução de políticas públicas, hoje fortemente centralizados.
Nesse contexto, o federalismo e a possibilidade de formação de um novo pacto federativo de índole realmente cooperativa - adquire grande atualidade, uma vez que a manutenção da unidade estatal combinada com maior possibilidade de ação democrática e preservação das particularidades regionais e locais é o centro da proposta federativa de Estado.
É certo que na Constituição de 1988 o princípio federativo revela-se como princípio estruturante da ordem jurídico-institucional do Estado Brasileiro (preâmbulo e artigo 1º da CF/88) e também como cláusula pétrea (artigo 60, parágrafo 4º, inciso I, CF/88).
Desse modo, a República brasileira se organiza na forma de uma Federação [1], cujos entes (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) formam, no sistema constitucional vigente, uma união indissolúvel (artigo 1º da CF/88).
Contudo, para além de sua enunciação, a força normativa desse princípio depende de uma série de fatores, que vão desde a forma política do Estado e seu papel, passa pelo conjunto de regras constitucionais que o concretizam e também pela construção jurisprudencial de seu conteúdo.
Daí porque é preciso, antes, compreender os fundamentos do federalismo, não apenas enquanto teoria, mas também como um processo dinâmico em que a estrutura estatal vai ganhando novos arranjos na medida em que as condições sociais, políticas e econômicas exijam.
Deve ser considerada, também, a dimensão propriamente sociológica que faz com que a organização política da Nação se desenvolva de modo a diminuir as desigualdades regionais (artigo 3, inciso III, CF/88) e a preservar a diversidade cultural, econômica e social no interior do país, sem admitir a desintegração da estrutura institucional estabelecida.
A partir dessas premissas, o presente artigo tem por objetivo (i) apresentar o federalismo não apenas como teoria reitora de uma determinada estrutura estatal, mas como processo dinâmico, (ii) trazer algumas reflexões sobre a engenharia federativa adotada no Brasil, especialmente a partir da Constituição de 1988 e, ao final, (iii) apontar que o novo pacto federativo cooperativo - é necessário para o aperfeiçoamento democrático, apesar dos resquícios dos paradigmas estadualistas e centralizadores na cultura política brasileira.
I. Federalismo como processo e abertura democrática
A configuração essencial do Estado federativo se funda na existência de múltiplas esferas de governo, integradas a um Governo Central (União) e regidas por uma Constituição Nacional, formando, assim, um novo Estado soberano e independente.
Para que isso seja possível, a Constituição deve prever regras de relacionamento entre essas esferas de poder de modo a fixar competências de cada ente, distribuindo de modo equilibrado encargos e receitas com vistas a aliviar tensões internas, dotando-o de autonomia, autogoverno e auto-organização.
O federalismo permite, assim, a união e, ao mesmo tempo, a convivência entre comunidades de diferentes concepções existenciais e culturais, em países populosos e de grande extensão territorial, sem recair em centralismo autoritário.
A teoria federalista impulsiona também importantes avanços democráticos, já que, para além da divisão clássica dos poderes horizontais Legislativo, Executivo e Judiciário promove cortes verticais, fortalecendo a separação dos poderes nos diferentes âmbitos de competência federativa (daí sua íntima ligação com o constitucionalismo).
Disso resulta a possibilidade de instituição do sistema de freios e contrapesos entre os entes federativos e entre eles e a população (mais próxima das instâncias decisórias e com maiores possibilidades de controle do poder político) [2]. Fomenta-se, dessa maneira, um incremento de participação política que já fora notado por Tocqueville ao estudar as qualidades da democracia americana [3].
Em contrapartida, a maior autonomia democrática não pode significar risco para a unidade. É o que justifica a previsão de técnicas específicas de intervenção federal [4] e a presença de duas instituições típicas: uma Corte Constitucional ou Tribunal da Federação e ii) o Parlamento bicameral no âmbito nacional que, mesmo não sendo imprescindível para o modelo federativo, certamente contribui para equilibrar as tendências de predomínio dos anseios majoritários nas deliberações parlamentares.
Em uma abordagem mais profunda, além das categorizações gerais dos sistemas federativos, a adequada análise de um modelo federativo concreto demanda atenta verificação de seus principais aspectos funcionais.
De acordo com Schultze, esses aspectos são: i) a distribuição espacial do poder com proteção das minorias, que não precisam recorrer à independência territorial para preservar suas particularidades ante ao poder centr...
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