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19 de Abril de 2024
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    É preciso definir a função do Supremo Tribunal Federal

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 10 anos

    O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário. Essa frase, tão repetida e acatada, está de tal modo assimilada pela cultura jurídica brasileira, que chega a ser acaciano iniciar com ela esta coluna do Observatório Constitucional.

    Entretanto, o óbvio pode suscitar questionamentos, as platitudes nunca são plenamente estremes de dúvidas. O que significa, afinal, dizer que o STF é o órgão de cúpula do Poder Judiciário? Tal pergunta requer, para uma adequada resposta, a compreensão prévia do que se entende por Poder Judiciário; o que pode ser sintetizado na obra clássica — e ainda muito atual — de Pedro Lessa, Do Poder Judiciário, de 1915:

    “§ 1º. O poder judiciário é o que tem por missão aplicar contenciosamente a lei a casos particulares.
    A três se reduzem os principais caracteres distintivos do poder judiciário: 1º as suas funções são as de um árbitro; para que possa desempenhá-las, importa que surja um pleito, uma contenda; 2º só se pronuncia acerca de casos particulares, e não em abstrato sobre normas ou preceitos jurídicos, e ainda menos sobre princípios; 3º não tem iniciativa, agindo – quando provocado, o que é mais uma conseqüência da necessidade de uma contestação para poder funcionar”.[1]

    Assim, dizer que o STF é o órgão de cúpula do Poder Judiciário é afirmar que tal tribunal, impondo-se sobre os demais, tem a função de, de modo definitivo, aplicar contenciosamente a lei a casos particulares, observando que, para repetir as palavras de Pedro Lessa, deve haver uma contenda a ser arbitrada, deve levar em consideração casos particulares e deve ser provocado.

    Qualquer pessoa que acompanha o dia a dia do Supremo e o desenvolvimento de sua jurisprudência pode perceber, sem maiores reflexões, que essa descrição do órgão de cúpula do Poder Judiciário não é a mais adequada, não é a que expressa com mais acuidade a atual quadra vivida pelo mais importante órgão jurisdicional brasileiro.

    O Supremo Tribunal Federal cada vez mais abandona sua função de árbitro máximo das contendas particulares, nas quais discussões específicas são travadas, para adquirir um perfil de definidor de padrões amplos e abstratos de conduta, a serem seguidos por uma generalidade de pessoas e não somente pelas partes de um determinado processo.

    É verdade que esse movimento se iniciou há muito, desde a regulamentação mais ampla da antiga representação de inconstitucionalidade e, depois, com o incremento do modelo abstrato de controle de constitucionalidade promovido pela Constituição de 1988.

    Entretanto, ainda que temperado por esses institutos, a função do Tribunal permanecia a de órgão de cúpula do Poder Judiciário, resolvendo as controvérsias concretas que lhe eram submetidas pelas partes.

    Prova disso é o rol de competências previsto no artigo 102 da Constituição Federal, que majoritariamente contempla atribuições típicas de um órgão judiciário nos termos expostos por Pedro Lessa em 1915.

    De alguns anos para ca, porém, a ênfase da Corte foi alterada. Aquelas competências, que se apresentam como majoritárias no rol do artigo 102, transformaram-se em melancólicas minorias nas pautas de julgamento do Plenário do Supremo. As sessões do Pleno (com específicas exceções, como a da AP 470) são cada vez mais voltadas para as funções hoje consideradas pelos ministros como mais nobres, quais sejam, as funções de controle concentrado e abstrato, que caracterizariam o Supremo Tribunal Federal como o Tribunal Constitucional brasileiro.

    Esse novo padrão de atuação fez com que a doutrina mitigasse a afirmação tradicional de que o STF é o órgão de cúpula do Poder Judiciário. André Ramos Tavares, por exemplo, afirma que o Supremo Tribunal Federal é o “órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, exercendo, em tempo parcial, as funções próprias de um tribunal constitucional, já que também desempenha as funções de tribunal comum, resolvendo litígios concretos”.[2]

    Tal análise é a projeção, na doutrina, do fato de que o STF se autoproclama como o Tribunal Constitucional brasileiro, como a Corte Constitucional a guardar o texto de 1988.

    Essa constatação já basta para colocar em xeque a afirmação com que se iniciou — de modo supostamente óbvio — este artigo. Isso porque é sabido que um dos traços próprios dos tribunais constitucionais é sua autonomia. Kelsen registra que o órgão encarregado de exercer a jurisdição constitucional deve ser independente de “qualquer outra autoridade estatal”[3], inclusive do Poder Judiciário.

    Esse aspecto da construção teórica do modelo de tribunal constitucional fica claro na seguinte análise de Roger Stiefelmann Leal:

    “A primeira característica básica dos Tribunais Constitucionais reside na sua própria autonomia em relação aos demais poderes do Estado. (...) O Tribunal Constitucional deve, portanto, compor uma magistratura independente do aparato jurisdicional ordinário e das estruturas dos demais poderes. Nesse sentido, configura um poder autônomo, distinto e organicamente independente do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Judiciário. É este, segundo Favoreu, o atributo que diferencia um Tribunal Constitucional de um Tribunal Supremo de última instância”.[4]

    Assim, quando o STF se afirma Corte Constitucional, apresenta-se como estranho ao Poder Judiciário. E estando alheio ao Poder Judiciário, está também alheio aos limites tradicionais desse poder, expressos nos caracteres arrolados por Pedro Lessa.

    A análise dos julgados nos quais o STF se intitula Corte Constitucional é prova desse movimento de descolamento entre o Poder Judiciário e seu pretenso órgão de cúpula. A simples leitura dos precedentes em que o Supremo se põe expressamente como Tribunal Constitucional demonstra, de ordinário, a ocorrência de situação em que algum aspecto da tradicional função jurisdicional está sendo desvirtuado.

    Isso pode ser verificado, por exemplo, no acórdão do Mandado de Injunção 708, (rel. min. Gilmar Mendes, DJ de 31/10/2008), por meio do qual ...

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