Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Abril de 2024

STJ inova em recurso repetitivo e questão bilionária de usineiros ruma ao STF

Publicado por Consultor Jurídico
há 10 anos

A sistemática dos filtros processuais no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal veio com a promessa de racionalizar os julgamentos. Uma decisão pode dar fim a milhares de processos, economizando o tempo dos julgadores e das partes. Mas a sistemática também tem seu lado sombrio. Basta uma decisão em recurso repetitivo que inove no ordenamento, em vez de reafirmar jurisprudência pacífica, para provocar um colapso.

É o que promete decisão recente em uma das mais antigas — e custosas — brigas envolvendo a União: a das indenizações às usinas sucroalcooleiras e plantadores de cana por preços que foram congelados abaixo do custo pelo governo federal nas décadas de 1980 e 1990. A disputa é estimada em R$ 107 bilhões pela Advocacia-Geral da União e envolve pelo menos 270 interessados, que multiplicam seus pedidos em milhares de processos e recursos na Justiça.

No fim de 2013, depois de décadas de disputas, o STJ resolveu julgar um recurso repetitivo sobre o tema. Os ministros, confirmando a jurisprudência até então, reconheceram que o governo deve indenizar as fabricantes de álcool. Mas surpreendeu a todos ao estabelecer um critério que, na prática, esvaziou sua própria decisão: obrigou os usineiros a comprovar prejuízos com o tabelamento. Lançou, assim, sobre os prejudicados o ônus de mostrar algo óbvio: que a União, ao desobedecer a critérios estabelecidos em lei para fixar os valores, cometeu ato ilegal que causou o inclusive o fechamento de empresas. No limite, o raciocínio pune empresários que, à época, conseguiram reduzir os prejuízos e premia quem desistiu de tentar.

Os ministros ainda fixaram a data de 31 de janeiro de 1991 como termo final do direito às indenizações — mais uma vez inovando em um repetitivo. O limite temporal se deu em referência a uma lei que deu atribuições ao Ministério da Fazenda para determinar os preços, agora entendida pelo STJ como uma revogação dos critérios legais anteriores.

STJ inova em recurso repetitivo e questo bilionria de usineiros ruma ao STF

Bola nas costas

A decisão do ano passado foi tomada pela 1ª Seção no Recurso Especial 1.347.136, relatado pela ministra Eliana Calmon (foto), por cinco votos a quatro. Até então, havia mais de 40 julgados favoráveis às indenizações no STJ e outros 30 no STF. A mudança repentina de direção ilustra o que já reconhecera um antigo integrante da corte, o ministro Humberto Gomes de Barros, hoje aposentado. Em um voto lendário, ele comparou os julgamentos do STJ às manobras de um piloto de lancha tentando derrubar os passageiros, como em um “banana boat”, mas, no caso, quem cai na água fria são os jurisdicionados — clique aqui para ler o voto.

Como mudança de entendimento foi feita logo em recurso repetitivo, os advogados estudam como fazer para convencer as instâncias inferiores a não seguir a decisão do STJ, e sim obedecer ao Supremo. Eles também não sabem como serão tratadas as execuções de decisões já transitadas em julgado, tampouco as ações rescisórias ajuizadas contra julgados alinhados à posição do STF.

A jurisprudência do STJ a respeito se sedimentou durante cerca de dez anos. A primeira decisão foi dada em 2001, contrária aos usineiros. A ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial 79.937, entendeu que a União tem discricionariedade para intervir no domínio econômico sem ter de se submeter a avaliações de seus órgãos técnicos — mesmo que a lei a obrigue a isso.

Em 2005, veio uma das primeiras decisões favoráveis às empresas, que se deveu a posicionamento então recente do STF. Em voto seguido pela maioria dos ministros da 1ª Turma, o ministro Francisco Falcão rejeitou o Recurso Especial 156.119, ao afirmar que a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, contra a qual a União protestava, se baseava em fatos e provas, o que a Súmula 7 proíbe a corte superior de rejulgar. E que a segunda instância, ao dizer que havia nexo de causalidade entre o dano sofrido pelos usineiros e o ato estatal que o provocou, se ateve ao princípio previsto no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal: “as pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Por isso, o foro para a discussão deveria ser o Supremo Tribunal Federal.

As primeiras decisões de mérito do STJ vieram em 2006, relatadas pela ministra Eliana Calmon. Nos Recursos Especiais 703.617 e 675.273, ela foi favorável às empresas, ao mencionar a "responsabilidade objetiva da União" pelos prejuízos — ou seja, independente de comprovação do dano. "Dou provimento ao recurso especial para julgar procedente o pedido de indenização, cujo valor será apurado em liquidação de sentença, à vista dos elementos constantes da prova pericial", concluiu ela, admitindo que as perícias já feitas pelas usinas eram suficientes para mensurar as indenizações.

Sete anos depois, em decisão monocrática — dada quando a jurisprudência a respeito é tão pacífica que não há mais motivos para levar o caso ao colegiado —, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho fez coro, no REsp 1.305.050. “A jurisprudência desta corte superior de Justiça é pacífica quanto ao cabimento de indenização na hipótese de fixação pela União Federal dos preços dos produtos do setor sucroalcooleiro em níveis insuficientes para cobrir os custos de produção levantados pelo IAA/FGV, ante o disposto nos artigos 1º, 9º, 10 e 11 da Lei 4.870/65”, definiu.

O IAA era o antigo Instituto do Açúcar e do Álcool, que mantinha contrato com a Fundação Getulio Vargas para as medições previstas na Lei 4.870/1965. A lei determinou como os custos do setor deveriam ser calculados em todo o país para a fixação do preço máximo a ser cobrado pela produção. Até hoje, no entanto, a União alega que as medições da FGV foram superestimadas, porque os levantamentos de preços não consideravam apenas os custos para índices mínimos de produtividade, mas também "remuneração de capital próprio e juros reais de financiamento", de acordo com recurso ajuizado no ano passado no STF.

O governo federal também argumenta que calcular o dano simplesmente subtraindo do preço sugerido pela FGV o que foi imposto pelo Estado ignora possíveis implicações econômicas como a redução nas vendas, devido aos aumentos. No entanto, pedido assinado em 25 de janeiro de 2013 pela Procuradoria Regional da União da 1ª Região cita como jurisprudência a favor três decisões das mais altas cortes do país: duas do Supremo e uma do STJ. A mais recente — o Recurso Especial 78.937, primeiro do STJ a respeito — é de 2001. Os demais — Recurso Extraordinário 77.899 e Recurso em Mandado de Segurança 23.543, ambos do STF — foram julgados em 1975 e em 2000, antes, portanto, da posição final da corte, em 2005.

O STF demarcou sua posição a respeito no Recurso Extraordinário 422.941, julgado em 6 de dezembro de 2005. Por maioria, a 2ª Turma acolheu recurso de uma destilaria, seguindo voto do então ministro Carlos Velloso. No entanto, Embargos da União criaram uma situação vista com estranhamento por quem acompanha o caso. Após pedir vista dos autos e trazer voto parcialmente favorável às empresas em 2005, cuja profundidade chegou a ser elogiada por advogados, o ministro Joaquim Barbosa, no dia 22 de maio de 2007, pediu vistas novamente, agora nos Embargos, e o caso não voltou à pauta até hoje, garantindo à União o argumento de que o processo não transitou em julgado. Testemunhas contam que, no dia em que pediu vistas dos Embargos, Barbosa chegou no fim da sessão, depois de dois votos favoráveis à rejeição do incidente processual.

Convicção elástica

Mudanças repentinas de entendimento se tornaram comuns na sequência de acontecimentos. Autora de um voto usado por anos pelos reclamantes, a ministra Eliana Calmon — que, inclusive, ficara vencida ao votar contra a União na primeira decisão do STJ a respeito, em 2001, e que adotava a tese das empresas quando era desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região — foi a relatora do recurso trazido como repetitivo da controvérsia. Entre os dias 20 de fevereiro e 27 de agosto de 2013, a notícia foi comemorada pelas empresas. No dia 28 de agosto, porém, a ministra votou, pela primeira vez, a favor do governo. Foi seguida pelos ministros Arnaldo Esteves Lima, Sérgio Kukina, Napoleão Nunes Maia Filho, Herman Benjamin e Benedito Gonçalves — os dois últimos, com diversas decisões monocráticas acumuladas em favor das usinas. Castro Meira e Mauro Campbell foram contra. O ministro Ari Pargendler pediu vista.

A sessão do dia 27 de novembro, quando Pargendler trouxe seu voto-vista, foi tumultuada, apontam as notas taquigráficas do dia. De um lado, o ministro tentava mostrar que uma coleção de decisões do STF e do STJ dava estofo à posição dos usineiros. De outro, seus colegas misturavam conceitos de ações de conhecimento e de execução, abrindo uma picada para o Tesouro.

Arnaldo Esteves Lima (foto) chegou a alertar sobre o colapsoque a corte estava para causar no Judiciário. “Há uma infinidade de decisões do S...

Ver notícia na íntegra em Consultor Jurídico

  • Sobre o autorPublicação independente sobre direito e justiça
  • Publicações119348
  • Seguidores10982
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações45
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-inova-em-recurso-repetitivo-e-questao-bilionaria-de-usineiros-ruma-ao-stf/134007525

Informações relacionadas

Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX PR XXXX/XXXXX-1

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)