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25 de Abril de 2024

Omissão na lei impede punição contra discriminação por orientação sexual

Publicado por Consultor Jurídico
há 10 anos

O Informativo 174 do Supremo Tribunal Federal traz, entre outras tantas, a seguinte notícia:

"Discriminação por orientação sexual: atipicidade e reprovabilidade

Ante a atipicidade da conduta, a 1ª Turma não recebeu denúncia oferecida contra Deputado Federal que teria publicado na rede social “twitter” manifestação de natureza discriminatória em relação aos homossexuais. A Turma destacou que o artigo 20 da Lei 7.716/1989 — assim como toda norma penal incriminadora — possui rol exaustivo de condutas tipificadas, cuja lista não contempla a discriminação decorrente de opção sexual (“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa”). Nesse sentido, ressaltou que a clareza do ditame contido no art. 5º, XXXIX da CF impediria que se enquadrasse a conduta do deputado como crime, em que pesasse à sua reprovabilidade (“Art. 5º, XXXIX. Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”). O Ministro Roberto Barroso consignou que o comentário do parlamentar teria sido preconceituoso, de mau gosto e extremamente infeliz. Aduziu, entretanto, que a liberdade de expressão não existiria para proteger apenas aquilo que fosse humanista, de bom gosto ou inspirado. Ressaltou que seria razoável entender que o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. , III) impusesse um mandamento ao legislador para que tipificasse condutas que envolvessem manifestações de ódio (“hate speech”). Ponderou que haveria um projeto de lei nesse sentido em discussão no Congresso Nacional. O Ministro Luiz Fux acrescentou que o STF, ao julgar a legitimação da união homoafetiva, entendera que a homoafetividade seria um traço da personalidade e que, portanto, ela não poderia trazer nenhum discrime, de sorte que a fala do parlamentar, ao mesmo tempo, ultrajaria o princípio da dignidade da pessoa humana e o da isonomia.

Inq 3590/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 12.8.2014. (Inq-3590)"

Trata-se de breve relatório referente a julgamento levado a efeito pela 1ª Turma daquele Supremo Tribunal Federal de denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República em desfavor de deputado federal que, em rede social, promoveu "manifestação de natureza discriminatória em relação a homossexuais". O representante do 'Parquet' Federal reclamou a condenação do acusado nas penas do artigo 20 da Lei 7.716/1989.

Como razões de defesa e contra os termos da mencionada denúncia, o envolvido sustentou (i) que a acusação em comento teve curso em face de perseguição que o mesmo estava a sofrer pela "simples interpretação teleológica da Bíblia" por ele realizada; (ii) que processo administrativo, oriundo de denúncia feita junto à Ouvidoria da Secretaria de Promoção da Igualdade Social (Seppir/PR), tramitou no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados com o mesmo objeto e foi endereçado à presidência daquela Casa, mas não prosperou; (iii) que há sim vinculação entre a manifestação realizada em rede social e o desempenho de mandato parlamentar, considerado o grupo social e a votação expressiva que o elegeu; (iv) que seu pronunciamento está em linha com a jurisprudência e naquilo quanto diz respeito à liberdade de expressão; e, (v) que não há conduta delituosa no ato praticado, "ante a falta de tipo incriminador da prática, induzimento ou incitação à discriminação sexual, tendo o legislador previsto, no artigo 20 da Lei 7.716/1989, apenas a de raça, cor, etnia ou procedência nacional."

No que diz respeito ao item (i) da aludida defesa, entendemos que a mesma está em desalinho com as manifestações contemporâneas que hoje diferentes setores da sociedade, atores sociais e líderes de Estado promovem contra e a propósito da interpretação canhestra que grupos realizam de textos religiosos com a finalidade única de defender determinados desvios de conduta e práticas de submissão empregadas e levadas a efeito contra terceiros ou grupos que simplesmente têm opiniões diferentes das suas.

Ilustrativamente, e a respeito do perigo em se promover tais interpretações, citamos as atrocidades recentemente cometidas por membros do denominado Estado Islâmico (Isis), sendo que, supostamente, tais atos encontrariam respaldo na doutrina e religião islâmica. Tais atos, aliás, foram objeto de repreensão por integrantes da própria comunidade islâmica, conforme nos reporta Peter Popham em artigo para o "The Independent", intitulado "Isis? What Crisis? Satirists take a swing at the caliphate", este veiculado em 15 de setembro de 2014.

Quanto a afirmação de defesa contida no item (ii) relatado, tem-se que a mesma também é de toda despropositada; a uma porquê o arquivamento de processo administrativo iniciado em Ouvidoria atrelada à Secretaria — à época presidida pelo acusado — não teria o condão de estender seus efeitos ao Poder Judiciário, e mais, porquê iniciada e encerrada em esfera política própria, onde interesses, debates e ideias são travadas em condições especialíssimas e específicas. A esse propósito, citamos manifestação do então ministro Nelson Hungria quanto a alegação de que determinada matéria — uma "resolução" votada pela Câmara dos Deputados — estaria supostamente fora da alçada de análise pelo Poder Judiciário[1]:

"Entendo que não é exata, assim formulada a pretensa imunidade do Poder Legislativo. Como muito bem acentuou o eminente ministro Relator, constitui hoje, ponto morto, que é irrelevante indagar se se trata, ou não, de ato político, para que seja excluída ou admitida a intervenção do Poder Judiciário. O que há de se indagar é se o ato, político ou não, lesa um direito individual, um interesse individual legalmente protegido."

O item (iii) da argumentação lançada em sede de contraposição à denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República nos parece ser um entendimento falho em dias atuais, pois em questionamento até o alcance e objeto da representatividade parlamentar.

Já, quanto aos itens (iv) e (v) do libelo apresentado temos que a 1ª Turma da Corte Suprema os considerou para fins de não recebimento à denúncia no Inquérito 3.590-DF. E a decisão e conclusão a que chegou o Colegiado está tecnicamente correta e imbuída de prudência, não obstante a imoralidade em que escudada a conduta adotada pelo parlamentar.

A correção daquela decisão reside nos posicionamentos vazados na linha de "que a liberdade de expressão não existe para proteger apenas aquilo que seja humanista, aquilo que seja de bom gosto ou aquilo que seja inspirado. (...), a liberdade de expressão é aquela que protege quem pensa diferente de nós." (ministro Luís Roberto Barroso); e, não constitui "o fato infração penal." (ministro relator Marco Aurélio), pois o tipo previsto no artigo 20 da Lei 7.716/1989 versa sobre crime de preconceito "considerada a raça, a cor, a etnia, a religião ou a procedência nacional, não contemplando a decorrente da opção sexual do cidadão ou da cidadã."

E assim concluiu aquele colegiado fazendo questão de destacar e reprovar a conduta do parlamentar, somando a isso o reclame por uma imposição, "um mandamento ao legislador para que tipificasse condutas que envolvam manifestações de ódio, de hate speech, (...). Mas a verdade que essa lei não existe. Existe até um projeto de lei em discussão no Congresso Nacional."

Não é de agora, aliás, que o Supremo Tribunal Federal se faz obrigado a destacar o quão prejudicial é para os jurisdicionados e cidadãos a verificação de inércia legislativa quanto a determinadas matérias que lhe são oferecidas para o crivo constitucional final, o que na hipótese de matéria criminal sequer poderia ser definida pela Corte e de maneira contextual, não obstante a expressa caracterização da omissão legislativa observada.

E tal responsabilidade em sanar flagrante omissão, quanto ao direito a indenização e a necessária criminalização às práticas de discriminação à orientação sexual, vem sendo doutrinariamente tratado em sentido ainda mais amplo, como por exemplo leciona COOK (2000: 132)[2] no linha de que "Os Estados têm o dever de respeitar, proteger e cumprir as normas de igualdade, e, se fracassa...

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A discriminação existe e sempre existirá, por causa da fofoca, mesmo a pessoa não sendo homossexual. No trabalho, os homens não se aproximam de mim, por exemplo, pois se dizem assustados (com o quê?) e ademais se se aproximam depois ficam cúmplices um do outro para dizerem o que acharam de mim, o que geralmente não é nada favorável, mas bem pejorativo. O pior de tudo, é que essas pessoas presumidas não parece quererem que gente como eu vá para frente. continuar lendo