Novo CPC terá mecanismos para combater decisionismos e arbitrariedades?
Antes de tudo, respondo: sim, terá! Na sequência explicarei. Com efeito. No momento em que envio esta coluna o novo Código de Processo Civil (NCPC) ainda não terá sido votado na sua totalidade. Mas tudo indica que não haverá muitas surpresas em cima do texto que foi a plenário. Arrisco, assim, a escrever sobre um provável texto.
O novo CPC é a primeira grande regulamentação brasileira sobre Processo Civil a ser aprovada em período democrático. Sim, porque os códigos anteriores o foram em períodos de exceção (1939 e 1973). Ponto para a doutrina, que espero que volte a doutrinar! E que não transforme o NCPC em um emaranhado de “dribles da vaca”. O novo CPC tem problemas? Sim. Muitos. Por exemplo, uma “coisa” chamada “colaboração processual”, que, longe de ser um princípio, corre o risco de jogar o processo civil nos braços do antigo socialismo processual. Disso falarei no futuro. Também a menção a uma coisa esdrúxula chamada “ponderação” (argh)[1], sobre a qual também me pronunciarei.
Sem prejuízo das muitas e valiosas colaborações dos demais colegas, peço licença para chamar atenção especial, neste momento, para uma mudança que me parece paradigmática e que foi viabilizada por esta coluna do ConJur (aqui e aqui), em sugestão minha abraçada por outros colegas de academia e pela Relatoria do projeto na Câmara. Assim, o artigo 942 do NCPC passará a dispor que
“os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. [grifei]
A atenção que foi dispensada pelo atento relator na Câmara, deputado Paulo Teixeira e o apoio inestimável de Fredie Didier e Luiz Henrique Volpe, foram cruciais para o acatamento dessa minha sugestão de que o NCPC passasse a exigir “coerência e integridade” da e na jurisprudência. Isto é: em casos semelhantes, deve-se proporcionar a garantia da isonômica aplicação principiológica. Trata-se da necessária superação de um modelo estrito de regras, sem cair no pan-principiologismo que tanto critico. Simples assim... e complexo.
Antes de “minha emenda”, o projeto continha a obrigação de os tribunais manterem apenas a “estabilidade” da jurisprudência (artigo 882[2], do PLS 166/2010). Dizia eu: “- Não basta a estabilidade. Precisamos mais”. E propus a emenda.
Assim, haverá coerência se os mesmos preceitos e princípios que foram aplicados nas decisões o forem para os casos idênticos; mais do que isto, estará assegurada a integridade do direito a partir da força normativa da Constituição. A coerência assegura a igualdade, isto é, que os diversos casos terão a igual consideração por parte do Poder Judiciário. Isso somente pode ser alcançado através de um holismo interpretativo, constituído a partir de uma circularidade hermenêutica. Já a integridade é duplamente composta, conforme Dworkin: um princípio legislativo, que pede aos legisladores que tentem tornar o conjunto de leis moralmente coerente, e um princípio jurisdicional, que demanda que a lei, tanto quanto possível, seja vista como coerente nesse sentido. A integridade exige que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do direito, constituindo uma garantia contra arbitrariedades interpretativas; coloca efetivos freios, através dessas comunidades de princípios, às atitudes solipsistas-voluntaristas. A integridade é antitética ao voluntarismo, do ativismo e da discricionariedade. Água e azeite.
O holding de um sistema de justiça democrático
Algum afoito poderá me acusar de "dar nome novo a ideia velha" (como se fosse possível dizer as mesmas coisas com nomes diversos). Não surpreenderão comentários de que a questão já se achava bem dimensionada nos termos de “segurança jurídica/certeza” (ou justiça). Parecerá assim ao dogmaticismo ingênuo e raso, com o qual — espero — pretendemos romper. Ignora-se aí, nesse apego a categorias jurídicas pré-modernas, todo o contexto teórico metafísico (clássico) em que submergem a discussão doutrinária.
Sigo. Coerência não é simplesmente se ater ao fato de que cada nova decisão deve seguir o que foi decidido anteriormente. Claro que é mais profunda, porque exige consistência em cada decisão com a moralidade política (não a comum!) instituidora do próprio projeto civilizacional (nos seus referenciais jurídicos) em que o julgamento se dá. A ideia nuclear da coerência e da integridade é a concretização da igualdade, que, por sua vez, está justificada a partir de uma determinada concepção de dignidade humana. Entre igualdade e liberdade, devemos ficar com a igualdade. Não posso, por exemplo, transferir recursos dos outros para fazer a felicidade de um.
A integridade quer dizer: tratar a todos do mesmo modo e fazer da aplicação do direito um “jogo limpo” (fairness — que também quer dizer tratar todos os casos equanimemente). Exigir coerência e integridade quer dizer que o aplicador não pode dar o drible da vaca hermenêutico na causa ou no recurso, do tipo “seguindo minha consciência, decido de outro modo”. O julgador não pode tirar da manga do colete um argumento que seja incoerente com aquilo que antes se decidiu. Também o julgador não pode quebrar a cadeia discursiva “porque qu...
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