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24 de Abril de 2024
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    Casamento homoafetivo reforça a legitimidade das cortes

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 9 anos
    I.
    No recente caso Obergefell v. Hodges[1], em que a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu a constitucionalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Chief Justice Roberts, em seu voto divergente, questionou a posição da maioria do tribunal, argumentando que a decisão não teria fundamento jurídico. De acordo com Roberts, o julgamento teria se baseado em preferências políticas pessoais de alguns magistrados, e não na interpretação do texto constitucional estadunidense. O Justice Scalia fez coro às críticas de seu colega, salientando ser fato histórico que, em 1868, quando a 14ª emenda foi editada, todos os estados norte-americanos proibiam o casamento homoafetivo, razão pela qual a referida cláusula constitucional jamais poderia ser utilizada para subsidiar interpretação contrária à vontade do legislador constitucional da época.

    O caso em questão apresenta uma ótima oportunidade para discutir alguns aspectos centrais acerca do papel do Poder Judiciário na contemporaneidade. Com efeito, parcela considerável dos teóricos defende que a jurisdição constitucional tem uma função contramajoritária, consubstanciando-se em verdadeiro instrumento político apto a romper com preconceitos e a vencer o determinismo social[2]. Nesse sentido, não há dúvidas de que o reconhecimento do direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo representa exemplo digno de nota desse tipo de atuação judicial.

    Por outro lado, acredita-se que as decisões tomadas por cortes constitucionais devam ser jurídicas, fundamentadas na interpretação técnica de textos normativos, o que nem sempre é perceptível nesses casos, como se percebe das críticas acima relatadas. Essas críticas precisam ser encaradas de maneira franca pelos estudiosos.

    Por fim, outro aspecto que chama a atenção no caso é que determinados temas, como o casamento homoafetivo, têm entrado na agenda das cortes de diversos países, o que sugere haver um elo jurídico entre essas decisões que precisa ser mais bem elucidado.

    O presente artigo procurará explorar esses temas a partir da análise comparada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pela Suprema Corte norte-americana sobre o casamento homoafetivo.

    II.
    Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou, conjuntamente, a ADI 4.277/DF e a ADPF 132/RJ[3], que tratavam do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar para fins jurídicos. A questão colocada dizia respeito à interpretação do parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, o qual preceitua que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”. Os autores das ações, portanto, buscavam superar a interpretação restritiva-literal da norma que, expressamente, considerou como entidade familiar, para fins de proteção do Estado, apenas a união formada por casais de sexos opostos.

    Os óbices jurídicos para o acatamento dos pedidos das referidas ações foram levantados pelos próprios julgadores. O ministro Ricardo Lewandowski, por exemplo, trouxe à tona o debate travado na Assembleia Constituinte, em que o deputado Gastoine Righi reforçou o motivo pelo qual o texto constitucional explicitou que a união estável válida seria aquela formada entre homem e mulher:

    O SR. CONSTITUINTE GASTOINE RIGHI: - Finalmente a emenda do constituinte Roberto Augusto. É o art. 225 (sic), § 3º. Este parágrafo prevê: ‘Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’.

    Tem-se prestado a amplos comentários jocosos, seja pela imprensa, seja pela televisão, com manifestação inclusive de grupos gayses do País, porque com a ausência do artigo poder-se-ia estar entendendo que a união poderia ser feita, inclusive, entre pessoas do mesmo sexo. Isto foi divulgado, por noticiário de televisão, no showástico, nas revistas e jornais. O bispo Roberto Augusto, autor deste parágrafo, teve a preocupação de deixar bem definido, e se no §º: ‘Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’. Claro que nunca foi outro o desiderato desta Assembleia, mas, para se evitar toda e qualquer malévola interpretação deste austero texto constitucional, recomendo V. Exa. que me permitam aprovar pelo menos uma emenda”.

    Em razão dessa manifestação expressa do Poder Constituinte, o ministro Lewandowski concluiu não haver como “cogitar-se de uma mutação constitucional ou mesmo de proceder-se a uma interpretação extensiva do dispositivo em foco, diante dos limites formais e materiais que a própria Lei Maior estabelece (...) a atuação exegética dos magistrados cessa diante dos limites objetivos do direito posto”.

    Em sentido semelhante, o ministro Gilmar Mendes salientou, em seu voto, que a questão não poderia ser resolvida por meio de uma interpretação do artigo 1.723 do Código Civil conforme à Constituição, visto que o próprio texto constitucional é que traz a limitação quanto ao reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Concluiu, assim, ser necessário esclarecer que o fundamento constitucional para o reconhecimento dos direitos dos homoafetivos não poderia ser o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição de 1988, “sob pena de cairmos num voluntarismo e numa interpretação ablativa, em que, quando nós quisermos, nós interpretamos o texto constitucional de uma ou outra maneira. Não se pode atribuir esse arbítrio à Corte, sob pena de nos deslegitimarmos”.

    No contexto, tendo em vista a dificuldade jurídica em dar interpretação extensiva à cláusula constitucional restritiva tão explícita, os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes justificaram seus votos com base em outros princípios constitucionais aplicáveis por analogia ao caso, aduzindo haver uma lacuna na Carta Magna quanto ...


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