Decisão do STJ que considera injúria racial imprescritível é correta
Recentemente, no AREsp 686.965/DF, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a injúria racial deve ser considerada imprescritível, o que tem gerado diversas críticas por parte da doutrina.
O fundamento foi o de que “a questão da imprescritibilidade do delito de injúria racial foi reconhecida [pelo tribunal] ao entendimento de que esse crime, por também traduzir preconceito de cor, atitude que conspira no sentido da segregação, veio a somar-se àqueles outros, definidos na Lei 7.716/89, cujo rol não é taxativo”, forte na lição de Celso Lafer, para quem “a base do crime da prática do racismo são os preconceitos e sua propagação, que discriminam grupos e pessoas (...) Promove a desigualdade, a intolerância em relação ao 'outro', e pode levar à segregação”[1].
Guilherme Nucci[2] defendeu a decisão, explicando que não se trata de “interpretação extensiva” (embora relate que a jurisprudência aceita tal interpretação para fins incriminadores), mas de consequência lógica do conceito de racismo afirmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do célebre caso Ellwanger (HC 82.424/RS). Concordamos com a conclusão de Nucci, especialmente no sentido de a decisão não acarretar interpretação extensiva incriminadora. O autor foi citado pelo STJ, quando leciona que “o artigo 5º, XLII, da Constituição Federal preceitua que a ‘prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei’.
O racismo é uma forma de pensamento que teoriza a respeito da existência de seres humanos divididos em ‘raças’, em face de suas características somáticas, bem como conforme sua ascendência comum. A partir dessa separação, apregoa a superioridade de uns sobre outros, em atitude autenticamente preconceituosa e discriminatória.
Vários estragos o racismo já causou à humanidade em diversos lugares, muitas vezes impulsionando ao extermínio de milhares de seres humanos, a pretexto de serem seres inferiores, motivo pelo qual não mereceriam viver.
Da mesma forma que a Lei 7.716/89 estabelece várias figuras típicas de crime resultantes de preconceitos de raça de cor, não quer dizer, em nossa visão, que promova um rol exaustivo. Por isso, com o advento da Lei 9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão” (NUCCI apud AREsp 686.965/DF).
Comecemos pela explicação do conceito constitucional de racismo, bem definido pelo STF no HC 82.424/RS. Para tanto, necessário entender o contexto do caso. O senhor Ellwanger editou uma série de obras consideradas pelo Judiciário como de cunho antissemita (discriminação contra judeus). A Lei de Racismo (Lei 7.716/89) já afirmava como crime, em seu artigo 20, qualquer conduta de praticar, induzir ou incitar o preconceito ou a discriminação por raça, cor, etnia, procedência nacional ou religião (artigo 20).
Quando o caso chegou ao STF, ele estaria prescrito se o crime de discriminação religiosa não fosse considerado imprescritível. Foi a linha do ministro Moreira Alves: por entender (por originalismo) que os debates constituintes teriam compreendido como “racismo” somente a discriminação contra negros (fato refutado pelo ministro Jobim, que foi deputado constituinte, mas essa questão não nos é relevante aqui), afirmou que o crime de discriminação religiosa não poderia ser considerado crime ...
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