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18 de Abril de 2024
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    Julgando a pena da galhofa: o humor visto pelos tribunais brasileiros

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 8 anos

    São famosas as primeiras linhas das Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), em que o defunto-autor adverte o leitor incauto que o que se vê na sequência é escrito com a pena da galhofa e a tinta da melancolia. A morte fornece a Brás Cubas o salvo-conduto para descrever sem piedade alguma os personagens que compõem o pano de fundo de sua nada edificante vida — como, por exemplo, Eugênia, aquela que era bonita, porém coxa.

    Hoje, mais de 130 anos depois, a pena da galhofa está (teoricamente) ao alcance de todos, nas pontas dos dedos que digitam, ágeis, nos teclados de computadores e celulares; nas esquetes cômicas da televisão e dos websites de compartilhamento de vídeos; nos artigos, charges e fotomontagens que povoam jornais, revistas e redes sociais. Como corretamente diagnosticou Gilles Lipovetsky, encontramo-nos na “sociedade humorística”, em que nada, absolutamente nada, é imune ao ridículo[1].

    O que não quer dizer, porém, que os alvos desse ridículo se conformem com ele. Pelo contrário: nota-se que, uma vez mais, a responsabilidade civil é o porto seguro para onde correm as suscetibilidades feridas, na esperança de que, ao lado da reparação ou compensação do dano, a indenização sirva de desestímulo à reiteração de tais condutas pelo ofensor.

    Ao contrário de Brás Cubas, que escrevia da segurança do além-túmulo, os que hoje fazem uso da pena da galhofa estão sujeitos, e provavelmente responderão, a alguma ação judicial.

    O sistema normativo que existe fora do mundo da ficção não parece ter dúvidas em qualificar o discurso humorístico, em suas mais variadas formas, como manifestação do pensamento a princípio protegida pela garantia do artigo , incisos IV e IX, da Constituição Federal. As dúvidas, que existem aos montes, são quais dessas manifestações enquadram-se como exercício regular de direito (artigo 188 do Código Civil) e quais são atos ilícitos, que conduzem ao dever de indenizar (artigo 186 combinado com o artigo 927 do CC). Como a Constituição expressamente condicionou a fruição da liberdade de manifestação do pensamento ao respeito aos parâmetros por ela mesma fixados (consoante se depreende do artigo 220, § 1º, e da interpretação que o Supremo Tribunal Federal consolidou no julgamento da ADPF 130), a tarefa de fixar quais dessas manifestações agridem de modo inadmissível direitos da personalidade restou ao Judiciário, à apreciação casuística.

    O que tem sido decidido pelos tribunais quanto a este problema enquadra-se, em certa medida, naquele preciso e conhecido diagnóstico de Chiarloni, de que a jurisprudência é um grande supermercado onde se encontra de tudo. Não obstante, é possível discernir alguma racionalidade nas diversas decisões que analisaram casos dessa espécie[2].

    Adotando uma lógica claramente inspirada no que se assentou sobre a responsabilidade da imprensa tradicional, os tribunais têm colocado a salvo o humor que preenche uma “função social”, isto é, aquele voltado à crítica de fatos de interesse público. O que não se encontra nesses parâmetros tendencialmente é eclipsado pela proteção aos direitos da personalidade das vítimas. O que não significa, porém, que apenas o interesse público, explícito ou implícito, seja suficiente para salvaguardar o humor. Por vezes, julgamentos estéticos vão avaliar o modo como essa crítica é feita. E, então, abrem-se as portas para um considerável subjetivismo.

    A “função social do humor”
    A jurisprudência brasileira, talvez limitada pela dicção dos artigos e 220 da Constituição Federal, parece orientar-se por uma compreensão finalista da liberdade de expressão. Longe de ser uma garantia em si mesma, que permita aos indivíduos manifestarem-se sobre o que quiserem, ela é (mais implícita do que explicitamente) entendida como um meio que possibilita a consecução de fins maiores, notadamente a autodeterminação política[3].

    Para o jornalismo, adota-se o tripé interesse público — objetividade — veracidade da notícia para verificar se a manifestação do pensamento se sobrepõe ou não a direitos da personalidade alheios. Compreensão similar parece orientar o discurso humorístico. Protege-se o riso que tem uma função de criticar os costumes — ridendo castigat mores, diriam os romanos.

    Mesmo a Lei de Imprensa entendia lícita a crítica inspirada pelo interesse público (“Artigo 27. Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação: VIII – a crítica inspirada pelo interesse público”), e era esse o argumento de defesa de muitos humoristas que satirizavam políticos.

    É, por exemplo, o dispositivo que ampara o desprovimento de diversos recursos de apelação[4] de ex-s...

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/julgando-a-pena-da-galhofa-o-humor-visto-pelos-tribunais-brasileiros/302298084

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