Blefe nos acordos de delação premiada: pode o MP barganhar com o que não tem?
Em tempos de midiáticos escândalos envolvendo políticos e o alto empresariado nacional, a delação — ou, como alguns preferem, “colaboração” — premiada tem se mostrado a mais nova coqueluche da Justiça criminal. Muito embora a Lei 12.850/2013 tenha, de certa forma, estimulado o seu uso, é certo que o instituto não é novo, remontando, inclusive, à Idade Média, época em que dogmas sacros influenciavam o Direito Penal, e o colaborador era chamado de pentito (arrependido).
A verdade, no entanto, é que a figura do colaborador começou a ser mais difundida no início do século XX, com o ressurgimento da Justiça penal negociada em solo americano. Foi nesse ambiente que a delação premiada passou a ser uma vertente importante da Justiça negociada (plea bargaining) no combate ao crime organizado. Na Itália, ganhou força a partir da década de 1970, sendo utilizada a figura do delator para o desmantelamento da máfia, por meio do instituto do patteggiamento, que albergou o chiamata di correo (a colaboração premiada)[1].
Deixando de lado os marcos históricos que pautaram a evolução do instituto no âmbito internacional, cabe a nós, neste breve ensaio, fomentar a reflexão sobre o uso da delação premiada no ordenamento jurídico nacional. Importante pontuar, de início, que não se pretende sustentar a imprestabilidade do instituto da delação premiada em si, mas trazer à baila discussão sobre a constitucionalidade de um dispositivo específico, introduzido pela Lei 12.850/2013, que não se coaduna com sistema acusatório arquitetado pelo constituinte.
O dispositivo a que nos referimos é o artigo 4ª, parágrafo 4º, da Lei 12.850/2013, que faculta ao Ministério Público a possibilidade de deixar de oferecer denúncia contra o colaborador, quando este não for o líder da organização criminosa e for o primeiro a prestar efetiva colaboração. Daí porque se dizer, conforme melhor detalharemos a seguir, que ao utilizar o dispositivo legal em questão para não propor ação penal em face do criminoso delator, o dominus litis acaba por dispor, indevidamente, de múnus inerente à sua função pública, que lhe é constitucionalmente imposto.
Apenas para que fique bem claro, a situação ora analisada não se refere à hipótese de o órgão acusador requerer o arquivamento do procedimento investigativo, mas a aventada possibilidade de deixar de oferecer denúncia, com base no artigo 4º, parágrafo 4º, da Lei 12.850/2013, sendo esta manifestamente inconstitucional, na exata medida em que fere o sistema acusatório estabelecido em nosso ordenamento jurídico.
Diga-se isto, pois, conforme se observa do texto constitucional, é dever do Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública (artigo 129, I, da Constituição Federal). Assim, é incontroverso que o parquet é o titular da ação penal, salvo os raríssimos casos de ação penal privada. Em perfeita harmonia com o que estabelece a Carta Política, o Código de Processo Penal, em seu artigo 24, dispõe que a ação penal “será promovida por denúncia do Ministério Público”.
Portanto, uma interpretação sistêmica do arcabouço jurídico nos leva a inexorável conclusão de que o parquet, uma vez verificadas presentes as condições da ação, tem a obrigação (e não faculdade) de apresentar denúncia em relação aos fatos ...
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