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20 de Abril de 2024
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    Senso Incomum: A Katchanga e o bullying interpretativo no Brasil

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 12 anos

    O paradoxo da interpretação: desvelando as obviedades do óbvio

    Jorge Luis Borges escreveu em 1944 um texto intrigante (e qual dele não seria?) no qual um personagem fictício, Pierre Menard, escreveu três capítulos do Don Quijote . A empreitada de Menard era reescrever o Cervantes original. Borges conduz o conto de forma assaz sarcástica, demonstrando a impossibilidade de tal empreitada. Mas, mesmo que fosse possível, o mesmo texto trazia sempre novos sentidos, em face da impossibilidade de sequestrar o tempo e a história. No Direito, ainda hoje se acredita que é possível fazer interpretações cronofóbicas, factumfóbicas e a ahistóricas. O personagem Menard já mostrava o fracasso desse intento. Uma frase derruba tudo isso: o tempo é o nome do ser (Heidegger).

    Escrevemos por quê? Porque a escrita é o fracasso da memória. Se nossa memória fosse perfeita, não necessitaríamos registrar as coisas. Nem tirar fotos. Li outro dia um comentário ao Pierre Menard borgiano nessa linha. Ali dizia: fôssemos capazes de pensar todas as ideias possíveis, não precisaríamos escrever e nem registrar o que pensamos. Por isso, na visão do narrador (Menard), a escrita é um monumento ao nosso fracasso de não conseguirmos pensar nada além de nossas próprias ideias ( http://revistaheresia.com.br/?p=27 ). Acrescento: se existisse um mapa perfeito, não precisaríamos do mapa. Por isso, estamos condenados a interpretar. Um livro fala de outros livros, como diz o personagem de O Nome da Rosa , de Umberto Eco. Não há grau zero. Não há a primeira palavra, dizia Gadamer (e nem a última). Como Sísifo, estamos condenados a rolar a pedra dos sentidos até o alto da montanha; e quando achamos que deles nos apropriamos, somos empurrados de volta ao começo.

    Carregando pedras. E fincando raízes

    Pois é carregando pedras que hoje volto a um assunto que me é muito caro. Não vou reescrever a mim mesmo. Como em Menard, mesmo que meu texto fosse exatamente igual ao que escrevi anos antes, o sentido dele, a sua norma, seria outro. Pronto. Já disse o que vou fazer. Sintaticamente, vou me repetir em alguns parágrafos. Pragmaticamente, o contexto temporal, factual e histórico inexoravelmente será outro. E os meus leitores, mesmo os que já leram, já são outros, porque banhados em outra água do rio... Venho contando a estória da katchanga de há muito. Aulas, palestras... Internet. Talvez o personagem Menard signifique fixem o sentido do Quijote . Pois é. Repetição ainda que nunca se possa dizer a mesma coisa com as mesmas palavras (aqui homenageio o grande filósofo Ernildo Stein) é também uma forma de fincar raízes.

    Prefiro pecar pelo excesso a pecar pela omissão. Hoje, quando a cada dia perdemos nossa capacidade de indignação e quando nossas críticas são encobertas por um mundo de significados de balcão, torna-se necessário, até por um, digamos assim, dever cívico, criticar, criticar e criticar, desobnubilando as obviedades do óbvio. Heideggerianamente, se o nada é o véu do ser, temos que nadificar esse nada, para que a coisa seja desvelada, fazendo uma a-letheia . Ou, homenageando o grande antropólogo Darci Ribeiro: Deus é tão treteiro, faz as coisas tão recôndidas e sofisticadas, que ainda precisamos dessa classe de gente, os críticos, para desvelar as obviedades do óbvio, ainda que a palavra óbvio seja usada, aqui, eufemisticamente. Se me entendem...

    A estória de um jogo... A metáfora da interpretação

    Então, sigo. Pedi um trabalho sobre princípios e regras para os meus alunos no mestrado em Direito. Alguns dos papers vieram com uma estorinha que servia para criticar a ponderação e uso dos princípios. A estória que apresentaram era a Katchanga (Real), que, segundo eles, circulava na internet. Alguns, mais velhos, já tinham ouvido eu contar essa estorinha há muitos anos atrás. No mínimo há 15 anos. Pois, como poderemos perceber, mais recentemente a estória da Katchanga ganhou novos foros, longe daquilo que significava originalmente. Com C ou com K, os alunos que usaram a estória tinham a convicção de que, ao convocarem a estorinha, estavam sendo altamente críticos. E aqui me pareceu oportuno intervir.

    A estória da Katchanga foi inventada pelo saudoso Luis Alberto Warat. Ele a chamava de O Jogo da Katchanga ... (ele não falava português; retrabalhou os escravos de Jô, que jogavam caxangá... no seu portunhol, virou katchangá e, depois, simplesmente katchanga ). Discuti muito em sala de aula e contei várias vezes a estorinha em conferências. Warat contou a estória para metaforizar (e criticar acidamente) a dogmática jurídica. Afinal, dizia a dogmática jurídica é um ...

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