Adicional de ICMS destinado a fundo da pobreza é inconstitucional
O histórico das emendas constitucionais: instituição, convalidação e prorrogação
Como se sabe, em 18 de dezembro de 2000, foi publicada a Emenda Constitucional 31, que, alterando o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), instituiu o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza em âmbito federal. Na mesma oportunidade, o legislador constitucional derivado conferiu competência aos estados, Distrito Federal e municípios para também institui-lo.
Previu-se, então, que os estados e o Distrito Federal poderiam criar adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do ICMS, especificamente em relação aos produtos e serviços supérfluos. Tais produtos seriam definidos por meio de lei federal.
Embora a referida lei federal jamais tenha sido criada, alguns estados, a exemplo do Rio de Janeiro, instituíram o adicional do ICMS sobre produtos e serviços evidentemente essenciais (notadamente energia elétrica e telecomunicações), aplicando-o, ademais, em patamar superior a 2%.
Em que pese a flagrante inconstitucionalidade dessas leis estaduais, a EC 42/2003 pretendeu convalidá-las, nos seguintes termos:
“Art. 4º Os adicionais criados pelos Estados e pelo Distrito Federal até a data da promulgação desta emenda, naquilo em que estiverem em desacordo com o previsto nesta Emenda, na Emenda Constitucional nº 31, de 14 de dezembro de 2000, ou na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição, terão vigência, no máximo, até o prazo previsto no art. 79 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”
Além de ter procurado convalidar as inconstitucionalidades que acometiam as aludidas leis estaduais, a EC 42/2003 excluiu a necessidade de lei federal para a definição dos produtos supérfluos, bem como dispôs que o adicional do ICMS permaneceria em vigor até o ano 2010.
Tempos após, quando o prazo de vigência do aludido adicional estava prestes a expirar, foi editada a EC 67/2010, que prorrogou por tempo indeterminado a cobrança do acréscimo.
A evolução das decisões do STF: nada está consolidado
Dada a evidente inconstitucionalidade da legislação do Estado Rio de Janeiro que instituiu o adicional do ICMS destinado ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais (FECP), inúmeras ações foram ajuizadas, dentre elas a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.869/RJ, proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), da relatoria do ministro Carlos Ayres Britto, por meio da qual se impugnava o artigo 1º, parágrafo único, incisos I a IV; o artigo 2º, inciso I, alíneas a a g e o artigo 2º, inciso II, todos da Lei 4.056/2002, alterada pela Lei estadual 4.086/2003, bem como o Decreto 32.646/2003.
Após a edição da EC 42/2003, que pretendeu convalidar as mencionadas inconstitucionalidades, o então ministro Carlos Ayres Britto, em 4 de maio de 2004, proferiu decisão monocrática decretando a perda de objeto da ação. Ressalte-se, portanto, que o processo foi extinto sem julgamento do mérito. Entretanto, na respectiva fundamentação o Ministro acabou por enfrentar a questão de fundo da constitucionalidade do FECP, em argumentação meramente obiter dictum[1]:
“12. A bem da verdade, observa-se que o art. 4º da Emenda Constitucional nº 42/2003 validou os adicionais criados pelos Estados e pelo Distrito Federal, ainda que estes estivessem em desacordo com o previsto na Emenda Constitucional nº 31/2000. Sendo assim, se pairava dúvidas acerca da constitucionalidade dos diplomas normativos ora adversados, estas foram expressamente enxotadas pelo mencionado art. 4º.
13. Evidencia-se, portanto, que o arcabouço constitucional delineado na exordial foi alterado pelo legislador constituinte de reforma, restando inviável proceder ao confronto de instrumentos normativos estaduais frente à ordem constitucional substancialmente modificada. Sobre esse tema, veja-se a remansosa jurisprudência desta Suprema Corte, in verbis:
(...)
Com estes fundamentos, convenço-me da perda do objeto da presente ação, motivo pelo qual nego seguimento ao pedido. O que faço por observância ao art. 21, § 1º, do RI/STF.”
Reparem que o item 12 da decisão é obiter dictum. A ratio decidendi se encontra no item 13, que é o argumento que justifica a conclusão de que o processo deveria ser extinto sem julgamento do mérito, em razão da perda de objeto.
A partir de então, tamanha era a convicção de que o assunto se encontrava pacificado no STF que o que se viu foi uma chuva de pronunciamentos monocráticos[2] pautados inicialmente na ADI 2.869/RJ e mais tarde nas próprias decisões que nela se fundamentaram.
Como consequência, o assunto foi submetido ao colegiado por meio da interposição de agravos regim...
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