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27 de Abril de 2024
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    Sérgio Niemeyer: É falso dizer que o HC é causa de maior morosidade

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 12 anos

    Na data de 7 de setembro de 2012, enquanto se celebrava a independência do Brasil, conquista que nos lançou no mundo como um Estado e não mais uma colônia, esta revista eletrônica Consultor Jurídico publicou o artigo Origem, desenvolvimento, uso e abuso do Habeas Corpus, cujo autor, Marcos Aurélio Pereira Brayner, é assessor de ministro do Superior Tribunal de Justiça.

    Li o artigo atentamente e em atitude de ressonância. Divido, agora, com a comunidade jurídica e com os leitores as considerações que fui tecendo ao longo da leitura, sob a forma de comentário a cada passagem. E o faço para conclamar a sociedade e o corpo de juristas brasileiros a cerrarem fileiras contra esse retrocesso que é a virada sinalizada pelo Supremo Tribunal Federal para acabar com o HC substitutivo, sem o qual muitos inocentes irão padecer as misérias do processo penal no preciso sentido vaticinado por Francesco Carnelutti, em sua obra sempre atual As Misérias do Processo Penal.

    Reproduzo, então, os trechos do referido artigo e logo a seguir vão minhas considerações, seja para refutar, seja para concordar com o que escreveu Marco Aurélio Brayner.

    Trecho original:

    Não se pode olvidar que, antes mesmo da Magna Charta, a common Law inglesa conhecia várias formas de ordem (writ), dentre elas, o habeas corpus ad subjiciendum, que ordenava ao detentor a apresentação do preso, com o esclarecimento das razões da prisão, a fim de submetê-lo às determinações da Corte, conforme a fórmula processual acima referida. Todavia, na prática, o instrumento processual não se revestia de grande efetividade, tampouco era invocado contra o poder do rei. Da mesma forma, as promessas da Magna Charta foram sendo progressivamente desrespeitadas, esquecidas.

    Considerações:

    O processo histórico do Direito apresenta uma intermitência entre maior e menor liberdade, a que corresponde menor e maior controle opressivo estatal. Em outras palavras, o direito, enquanto medida da liberdade, varia na proporção inversa do controle estatal. Quanto maior a liberdade, menos proibições, quanto menor a liberdade, mais proibições. É isso o que transmite o trecho acima.

    Trecho original:

    Na mesma Inglaterra, no reinado de Carlos II, firmou-se o Habeas Corpus Act, de 1679, importante instrumento contra prisões arbitrárias de pessoas acusadas de cometer crime, criando o chamado direito ao mandado (right to the writ). Suas imperfeições foram sanadas com o Habeas Corpus Act, de 1816, mormente para estender sua abrangência para proteger pessoas presas por outros motivos diversos da acusação criminal.

    Considerações:

    Novamente se faz sentir a força do veio histórico para uma evolução de maior liberdade e proteção da liberdade. A admissibilidade do instituto do Habeas Corpus para abranger outras situações fundadas em motivos diversos da acusação criminal constitui um passo evolutivo desse expediente a obsequiar a tutela dos direitos com a celeridade que lhe é inerente.

    Trecho original:

    A Constituição da República de 1891 incorporou o Habeas Corpus em seu texto, no artigo 72, parágrafo 22, elevando o writ à categoria de garantia constitucional. Contudo, a redação da norma deixou de fazer alusão expressa ao direito de liberdade de locomoção, para garantir ao indivíduo a proteção contra iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder.

    A partir daí, os juristas brasileiros iniciaram um embate entre os que defendiam, de um lado, a estreiteza do Habeas Corpus, apegando-se às origens históricas do instituto, para defender seu uso apenas como garantidor do direito de locomoção do indivíduo; e, de outro lado, os que, valendo-se da redação irrestrita da norma constitucional, pugnavam pela aplicação mais abrangente do remédio heroico, para garantia de outros direitos além do de locomoção. Esta última posição foi a que prevaleceu no Supremo Tribunal Federal.

    Considerações:

    A posição que prevaleceu na CF/1891 homenageava a liberdade e o primado segundo o tudo que vise a restringi-la deve ser expresso, enquanto as normas que visam a sua proteção, estas comportam interpretação extensiva ou liberal e, no mínimo, não restritivas. A liberdade ganhou, assim, contornos e importância sem paralelo na História, fruto das conquistas iniciadas no período do Rensacimento, que continuou pelo Iluminismo e penetrou o século XIX adentro exaltando o uso da razão para a compreensão do direito e como este deve manifestar-se.

    Trecho original:

    A reforma constitucional de 1926 pôs fim às discussões, ao restabelecer a construção histórica do writ, diretamente relacionado à liberdade, ao dispor no seu artigo 113, inciso 23: Dar-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões, disciplinares não cabe o Habeas Corpus.

    Outrossim, para não deixar desprotegidos direitos outros, inovou o Legislador constituinte ao instituir no artigo 113, inciso 33, nova ação: Dar-se-á Mandado de Segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do Habeas Corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes.

    Considerações:

    O texto aspeado, diversamente do que sugere Marcos Aurélio Pereira Brayner, não consta da Emenda Constitucional 26 de 3 de setembro de 1926, cujo teor pode ser consultado no link: http://www2.câmara.gov.br/legin/fed/emecon_sn/1920-1929/emendaconstitucional-35085-3-setembro-1926-532729-publicacaooriginal-15088-pl.html. Ao contrário, trata-se de texto corresponde ao artigo 113, 23, da CF/1934. A posição adotada preservava a homenagem prestada à liberdade e ao primado segundo o qual qualquer restrição à liberdade deve ser expressa, ao passo que as normas que visam a sua proteção comportam interpretação extensiva ou liberal, ou pelo menos não restritivas. Também quanto ao artigo 113, 33, Marcos Aurélio Pereira Brayner se equivoca. Trata-se de inovação introduzida na CF/1934, por meio da qual o legislador constituinte, inspirado na eficiência e eficácia do habeas corpus, criou o mandado de segurança como instituto ou expediente paralelo, destinado a reprimir abusos e ilegalidades não cobertos pelo habeas corpus. Eis a redação do 33 do artigo 113, da CF/1934:

    33) Dar-se-á mandado de segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do Habeas Corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes.

    A prova da inspiração e de que o desejo era a criação de um instrumento tão eficaz quanto o Habeas Corpus está no próprio texto constitucional quando indica que o processo do mandado de segurança será o mesmo do Habeas Corpus. Um e outro são genuínos demonstrativos de uma evolução amadurecida das garantias individuais (o art. 113 da CF/1934 inaugura o Capítulo II: Dos Direitos e Das Garantias Individuais, e corresponde ao art. 5º da CF/1988).

    Trecho original:

    O atual Código de Processo Penal, no mesmo diapasão, dispõe no artigo 647: Dar-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

    Considerações:

    A alusão ao CPP deveria guardar paralelo com a CF/1934, uma vez que foi sob a vigência dela que o Código foi promulgado, observando-se que a disciplina do HC nele contida foi plenamente recepcionada pelas Constituições subsequentes (1946, 1967, reforma de 1969 e 1988). Além disso, a disciplina do Habeas Corpus no CPP é a mesma desde que entrou em vigor, portanto, desde 1941. De acordo com ela, não há previsão de preferência para o julgamento dos recursos em Habeas Corpus, e exatamente por isso é que a doutrina construiu e a jurisprudência chancelou e consagrou o Habeas Corpus substitutivo, porque, afinal, quando uma instância mantém uma decisão que foi alvo de ataque por meio de Habeas Corpus, a decisão posterior substitui a anterior, de modo que a ilegalidade e a abusividade de que a primeira era acusada contaminam a segunda, sujeitando-a ao mesmo ataque pela mesma via de Habeas Corpus perante a instância imediatamente superior. Em outras palavras, quando um órgão jurisdicional de hierarquia superior mantém uma decisão atacada de abusividade e/ou ilegalidade por Habeas Corpus, assume a responsabilidade por essas eivas e isso autoriza a nova e originária impetração perante o órgão jurisdicional imediatamente acima. Esse raciocínio é absolutamente correto e radica sua validade numa conhecida regra de inferência da Lógica, chamada silogismo disjuntivo.

    Trecho original:

    No Brasil, com a redemocratização do país depois de mais de 20 anos de ditadura militar, a Constituição Cidadã, como ficou conhecida a de 1988, foi alicerce fundamental para apoiar as decisões judiciais, a fim de resgatar o respeito ao devido processo legal, consagrando o Estado Democrático de Direito.

    Considerações:

    O que significa respeito ao devido processo legal? O que é o devido processo legal? Em apertada síntese, pode dizer-se que o devido processo legal é aquele adequado para o fim a que se destina e que segue estritamente as regras legais que o disciplinam. Assim entendida a cláusula do due process of law, pode concluir-se que estamos longe, muito longe ainda, de ver essa garantia efetivada. Primeiro, porque as instâncias ordinárias e o próprio STJ não há respeitam. Segundo, porque o STF, apesar de a garantia ter aplicação imediata por força da própria CF, subtrai-se de tutelar sua eficácia sob o pretexto de se tratar de ofensa indireta, o que implicaria em ter de analisar como foi feita a aplicação ou interpretação da norma infraconstitucional, apesar de a CF prometer que tal eficácia é imediata (§ 1º do art. 5º). A promessa de eficácia imediata pela Constituição Federal significa exatamente que as leis por meio das quais as garantias do indivíduo são reguladas e o modo como são aplicadas e interpretadas devem ser alvo, sim, de exame pelo STF, sob pena de a garantia constitucional ficar emasculada, lânguida, prostrada sem nenhuma eficácia. Se a intenção é que o STF seja o guardião da Constituição e de todas as garantias ali estatuídas; se a eficácia de alguma dessas garantias depende do exame que se faça da lei infraconstitucional e de sua interpretação para determinar como deve ser aplicada para dar máximas ensanchas à realização do ideal constitucional, então, é vontade da Constituição que o STF examine tais leis e as decisões que as aplicam, o que joga por terra o argumento de que o STF não deve ou não pode julgar questão onde haja ofensa indireta à Constituição. Se a interpretação e aplicação da lei constitui atentado às garantias com eficácia imediata previstas na Constituição, a ofensa não é indireta, mas um atentado pela proa à tais garantias, que padecem ineficazes em sua imediatidade por causa da má interpretação da lei. Tudo o resto é puro discurso para esvaziar o valor eficacial dessas garantias.

    Trecho original:

    Entretanto, talvez como reflexo de tantos anos de repressão e arbitrariedades, no afã de superproteger o cidadão, o cabimento do Habeas Corpus foi sendo, paulatinamente, ampliado pela jurisprudência para salvaguardar direitos, os quais só indireta ou remotamente refletem na liberdade de locomoção do paciente.

    Considerações:

    A premissa colocada não passa de uma suposição especulativa. O advérbio talvez é prova disso. Não é lícito argumentar com especulações sobre a causa da evolução do Habeas Corpus. Deve indicar-se precisamente ou não fazer nenhuma alusão. De qualqu...

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