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25 de Abril de 2024
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    E o juiz mineiro Azdakiou ou Eis aí o sintoma da crise

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 11 anos

    O juiz Azdak e aquele "livro grosso"...

    Já usei o Brecht e o seu "juiz Azdak" em outra oportunidade. Mas, em face da faticidade, repristino a bela peça do velho Bertolt. Trata-se do Círculo de Giz Caucasiano , [1] que trata da história de uma cidade imaginária em que ocorre um conflito de terras depois da guerra travada contra o nazismo. Mas o que interessa, aqui, é a história de Azdak. Ele é escrivão de uma aldeia, que, sem saber, acaba salvando a vida do Grão-duque, líder absoluto antes de um primeiro golpe de Estado e que volta ao poder no segundo golpe. Azdak quer se entregar (ou se punir) por ter salvado o tirano, mas quando vai se entregar, descobre que os tempos continuam os mesmos, e acaba sendo escolhido juiz. Para decidir o destino de uma criança, traça um círculo de giz e coloca as duas mães no meio, para lutar pela criança. Como Salomão decide por aquela que não larga a criança para não a machucar, ele decide em favor daquela que larga a criança, a serva Grucha.

    A característica principal de Azdak é que ele decide como quer. Para a cozinheira, Azdak não entende do ofício e absolve os maiores ladrões, demonstrando que o povo estava consciente de que a lei era feita para proteger os poderosos... Azdak não era entendido como antítese a essa lei pelos personagens, e suas atitudes não levam as pessoas da peça a uma síntese.

    Não vou me alongar na peça. Em outra Coluna ( clique aqui para ler ), detalhei o principal. Aqui, permito-me ir ao cerne da questão, citando algumas máximas de Azdak:

    É bom para a justiça funcionar ao ar livre. O vento lhe levanta a saia e pode-se ver o que está por baixo;

    Contam a meu respeito que um dia, antes de pronunciar a sentença, eu saí para respirar o cheiro de uma roseira;

    Me traga aquele livro grosso, que eu sempre faço de almofada para sentar! (Schauva apanha em cima da cadeira de juiz um grande livro, que Azdak se põe a folhear.) Isto aqui é o Código das Leis, e você é testemunha de que eu sempre fiz uso dele, sentando-se sobre o livro.

    Em síntese: Azdak decide como quer! Por vezes, dá ganho de causa aos pobres; por vezes, contradiz-se ao infinito. Não deve explicações a ninguém. E tampouco explica as suas decisões.

    Pois examinando a Sentença

    , da 1ª Vara da Fazendo Pública de Belo Horizonte, chego à conclusão de que a Constituição, para o magistrado prolator, é algo como aquele livro grosso do Azdak... E a doutrina abalizada que trata do que está escrito nesse livro grosso também recebe tratamento idêntico do Doutor.

    A decisão

    Do que trata a decisão?

    O caso: uma pensionista da previdência pública de Minas Gerais impetrou Mandado de Segurança alegando que estava recebendo valores menores do que faria jus, advindos de pensão por morte, em razão dos valores não terem sido calculados com fundamento no artigo 40, parágrafo 7º, I, da Constituição. A autoridade coatora informou que o cálculo dos valores estava de acordo com a Constituição pós-Emenda Constitucional 41/2003.

    O Juízo concedeu a segurança, fundando-se na irregularidade da aprovação da Emenda 41/2003, pois esta além de subtrair direitos adquiridos do cidadão, pretensamente violando o artigo 60, parágrafo 4º (já refutada pelo STF), também não teria seguido o regular processo de elaboração em razão do vício de decoro dos parlamentares envolvidos (art. 55, § 1º, da CF), os quais teriam sido comprados para elaboração da referenciada EC, o que restou denotado do voto do Relator da AP 470, ainda em trâmite no STF.

    Ainda interessante ressaltar que este último argumento acaba sustentado na e pela teoria dos frutos da árvore envenenada, que é utilizada de forma analógica para apontar que as leis (frutos) elaboradas por meio de viciado (pela corrupção da livre vontade dos parlamentares) processo legislativo (árvore proibida) devem ser tidas como inconstitucionais e refugadas.

    A necessária crítica

    Em primeiro lugar, não considero a decisão relevante em si. Pela sua fragilidade, diria que não assume relevância teórica. Nesse aspecto, é importante anotar, de saída, que o juiz declarou a inconstitucionalidade da EC 41. Como assim, declarou? Isso funcionada desse modo? Pensei que juiz deixava de aplicar, com fundadas razões, um ato normativo (que pode até ser EC)... Mas declaração mesmo, enquanto ato formal, só pode ser feita se respeitada a regra de reserva de plenário, a partir do cumprimento dos ditames do artigo 97 da Constituição. Algo, aliás, que se tem por reforçado em face da Súmula Vinculante número 10 do STF.

    Eis a diferença entre o controle difuso exercido pelo juízo singular e o controle difuso exercido pelos tribunais. E mais, há uma clara indicação por parte de nosso sistema constitucional no sentido de que as decisões de rechaço no que tange a inconstitucionalidade devem ser precedidas de ampla avaliação, e fundamentação daí, mais uma vez, a razão de que tais decisões sejam tomadas de forma colegiada pelos tribunais, em full bench . De se frisar: isso não é assim porque eu quero; é porque está na Constituição. De todo modo, a decisão serve como sintoma: de como o juízo singular tem dificuldades para realizar atos de jurisdição constitucional; de como ainda estamos sob a égide daquilo que venho denunciando como um fenômeno de baixa constitucionalidade.

    Entretanto e invoco mais uma vez, aqui, Cornelius Castoriadis ( A Instituição Imaginária da Sociedade ) o que importa é o simbólico. Tudo o que se apresenta no mundo social-histórico está entrelaçado com o simbólico. Não que tudo seja simbólico. Mas, nada existe fora de uma rede simbólica. É nesse contexto que faço a anamnese dessa decisão.

    O problema não é a sentença. O busílis da questão é o que ela pode representar de negativo no plano das relações simbólicas de poder, onde o direito assume papel de essencial relevância. A decisão do juiz mineiro é um sintoma grave da crise vivida pela doutrina e jurisprudência. Decisões são dadas ad hoc , fora de qualquer cadeia de coerência e integridade. É contra isso que escrevo. Não contra Sua Excelência. Mas contra os efeitos colaterais que podem advir.

    Já de pronto, a sentença parece um típico exemplo daquela velha história decido depois fundamento. Isto é, sou contra alguma coisa, encasqueto com ela, escolho um lado e, depois, vejo os fundamentos. Despiciendo dizer que as decisões judiciais devem sempre ser por princípios e não por política (no sentido de que fala Dworkin). É mais ou menos a tese daqueles que sustentam que a AP 470 pode vir a ser anulada pela Corte Interamericana. Não tem fundamento, mas tem um efeito retórico bem interessante... Há uma peça de Shakespeare chamada Muito barulho por nada ... A diferença é que, nestes casos, há muito barulho, não vai dar em nada, mas o rastro que fica não é desejável em uma democracia.

    Na especificidade, onde peca a decisão?

    a) Não há trânsito em julgado e sequer acórdão publicado na AP 470. Não se produzem efeitos jurídicos de um acórdão não findo. Aqui parece um erro elementar cometido pelo juiz mineiro. O juiz baseou-se no efeito pictórico do acordão... Só que esse efeito não consta no rol de requisitos pelos quais uma decisão possa irradiar efeitos.

    De se consignar que, durante o voto sobre o crime de corrupção ativa, imputado a José Dirceu, o ministro revisor, Ricardo Lewandowski, chegou a aventar a hipótese de, no caso de transitar em julgado sentença penal condenatória dando por atestado que houve compra de votos de parlamentares para votar segundo os interesses do governo, seria o caso de o Tribunal começar a se preparar para enfrentar os eventuais processos que viessem a questionar a constitucionalidade de tais diplomas legislativos. É certo que a avença não alcançou sucesso entre os demais ministros. De todo modo, se fosse o caso de considerar, ad argumentandum tantum , a hipótese levantada pelo ministro, seria necessário que estivéssemos diante do trânsito em julgado da AP 470 e diante da necessidade de se enfrentar a questão nos termos regulares estipulados pela ordem jurídica processual. Definitivamente, não seria nos term...

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