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23 de Abril de 2024

Nova Lei Seca não pode ser aplicada retroativamente

Publicado por Consultor Jurídico
há 11 anos

Em sua redação original o artigo 306, caput, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), assim dispunha: Conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. As penas cominadas eram: detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Impulsionado pelas elevadas cifras de mortos e lesionados em acidentes de trânsito envolvendo embriaguez ao volante, a pretexto de endurecer a resposta penal para tais situações típicas, em 19 de junho de 2008, o legislador brindou a população brasileira com a Lei 11.705, que entre outras alterações impostas ao Código de Trânsito modificou seu artigo 306, que a partir de então passou a ter a seguinte redação no caput: Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. Não houve qualquer alteração em relação às penas cominadas.

A modificação foi desastrosa e de efeito retroativo, bem ao contrário do propalado. Na mão diametralmente inversa da que se disse pretender com aquela que se convencionou denominar Lei Seca, as consequências de tal opção política irrefletida e irresponsável ainda são sentidas pela população já há algum tempo alarmada com as estatísticas negativas que só fazem crescer.

O maior problema determinado pela Lei 11.705/2008 foi a quantificação que optou por regular.

Passados mais de 4 (quatro) anos, visando corrigir o indesculpável erro grosseiro cometido por todos aqueles que atuaram na edição da nefasta lei de 2008, foi editada a Lei 12.760, de 20 de dezembro de 2012, que dentre outras modificações impostas ao Código de Trânsito alterou a redação do artigo 306, que agora assim dispõe:

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1o As condutas previstas no caput serão constatadas por:

I concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou

II sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

§ 2o A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

§ 3o O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Como se vê, foram modificadas as elementares do tipo fundamental (caput do art. 306); foram mantidas as penas cominadas; foram acrescidos: um parágrafo 1º que dispõe sobre a forma de constatação do delito; um parágrafo 2º, que indica a possibilidade de todos os meios de prova admitidos em direito para a demonstração da infração, e, por fim, um parágrafo 3º, a indicar a atribuição do Contran para dispor sobre a equivalência dos testes de alcoolemia.

A denominada Nova Lei Seca resolveu a questão da quantificação de álcool por litro de sangue, exigida na redação anterior do artigo 306, caput, e com isso ampliou a possibilidade de responsabilização penal, o que é positivo. Por outro vértice, trouxe novas discussões jurídicas, todas evitáveis se o legislador fosse mesmo técnico e se preocupasse em ouvir e acolher, durante o processo legislativo, opiniões jurídicas realmente abalizadas.

A seguir, analisaremos o novo artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

Tipo objetivo

Conduzir, para os fins do dispositivo em comento, significa dirigir, colocar em movimento mediante acionamento dos mecanismos do veículo.

Veículo automotor, nos termos do Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro, considera-se veículo automotor todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).

Antes da Lei 12.760, de 20 de dezembro de 2012, o crime de embriaguez ao volante só se configurava se a condução de veículo automotor ocorresse na via pública. A atual redação do artigo 306 abandou tal critério, pois não contém referida elementar, de maneira que restará configurado o crime ainda que a condução do veículo, nas condições indicadas, se verifique em qualquer local público (não necessariamente via pública) ou no interior de propriedade privada (chácara, sítio ou fazenda, por exemplo), o que representa considerável ampliação no alcance da regra punitiva. Tal ajuste guarda coerência com a tipificação dos crimes de homicídio culposo (art. 302 do CTB) e lesão corporal culposa (art. 303 do CTB), em que não há referência à via pública.

É bem verdade que o artigo do CTB diz regular o trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, o que pode sugerir sua inaplicabilidade em relação a fato ocorrido em local que não se encaixe no conceito de via terrestre, no interior de propriedade privada, visto que o artigo do CTB diz que são vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias.

Tal forma de pensar, entretanto, é equivocada.

Com efeito, imagine-se o seguinte exemplo: o motorista de um veículo automotor destinado ao transporte de trabalhadores rurais passa a conduzi-lo no interior de uma propriedade privada, em meio a uma plantação de laranjas, imprimindo-lhe velocidade excessiva, incompatível para o local, e termina por atropelar e matar um dos braçais que já se encontrava trabalhando.

Embora o evento tenha ocorrido no interior de propriedade privada e em local não definido como via terrestre pelo artigo do CTB, no exemplo apontado o condutor do veículo deverá responder por homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor, conforme o artigo 302 do CTB, porquanto identificadas as respectivas elementares na conduta apontada, o que está a demonstrar que as disposições dos artigos e não determinam limitação de alcance para fins de imputação penal. As expressões empregadas nos artigos 1º e 2º não configuram elementares dos tipos penais citados (arts. 302, 303 e 306), visto que neles não foram descritas.

Bem por isso poderá haver imputação lastreada no artigo 306 do CTB quando a realização típica se verificar, em via terrestre ou não, no interior de propriedade privada, se presentes as elementares do tipo.

De ver, entretanto, que nada obstante se tenha por demonstrada a tipicidade formal, a condução de veículo no interior de propriedade privada, nas condições do artigo 306 do...

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