O tributo é um inadequado instrumento arrecadatório
Foi proposto na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o Projeto de Lei 4/2013, ainda pendente de votação pelo Plenário daquela casa legislativa, o qual institui a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Petróleo e Gás (TFPG).
A hipótese de incidência da taxa em foco é definida pelo exercício regular do poder de polícia conferido ao Estado sobre a atividade de pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento de Petróleo e Gás, realizada no âmbito do Estado de São Paulo, sendo a respectiva fiscalização de polícia [1] exercida pela Secretaria de Meio Ambiente, com colaboração operacional da Secretaria de Estado da Fazenda para arrecadar o tributo. O fato gerador, por outro lado, é a venda ou a transferência entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular do petróleo ou gás extraído.
O contribuinte é a pessoa, física ou jurídica, que esteja, a qualquer título, autorizada a fazer pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento de recursos de petróleo e gás no Estado de São Paulo. A base de cálculo corresponderá a quatro UFIR/SP por barril ou unidade equivalente de petróleo ou gás extraído.
Assentadas as bases fáticas sobre as quais se coloca a novel taxa, impende investigar o contexto jurídico no qual a mesma se insere, notadamente a moldura constitucional aplicável e congruência com o Código Tributário Nacional. Nessa linha de raciocínio, importante anotar os seguintes indícios de inconstitucionalidade a serem doravante enfrentados: (i) observância do princípio da anterioridade; (ii) competência estadual para o exercício do poder de polícia em questão; (iii) referibilidade da taxa em relação ao contribuinte e à atividade estatal desenvolvida em seu favor; (iv) relação de razoável equivalência entre o valor da taxa e o custo da respectiva atividade estatal; (v) proporcionalidade entre a motivação legislativa para a instituição da taxa e o exercício do poder de polícia proposto; (vi) base de cálculo própria de imposto.
Vícios e inconstitucionalidades
(I) Observância do Princípio da Anterioridade
Sobre o princípio da anterioridade não é preciosismo lembrar que, caso o PL seja sancionado ainda em 2013, é certo que se deverá observar a regra constitucional insculpida no artigo 150, III, c, da Constituição Federal, caso em que o tributo apenas poderá ser exigido em 2014. Inobstante, consta do artigo 10º do PL em voga que a Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
(II) Competência estadual para o exercício do poder de polícia em questão
No que toca à legitimidade do estado de São Paulo para exercer o poder de polícia anunciado, importante analisar a respectiva competência material por dois aspectos: ambiental e regulatório, calcados respectivamente nos incisos VI e XI do artigo 23, da Constituição Federal.
A competência para a fiscalização de polícia ambiental, conquanto pareça de competência comum entre União, Estados e Municípios em razão do dispositivo citado atrás, é, na espécie, restrita pela conjugação do parágrafo único do artigo 23, da Constituição, combinado com o artigo 7º, XIV, b, da LCP 140/11, que dispõe de maneira expressa que à União cabe promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva. Com efeito, cabendo o licenciamento somente ao ente federal, somente ao mesmo cabe a respectiva fiscalização, carecendo, por conseguinte, o Estado de São Paulo de competência material para fazê-lo.
No que tange à competência do Estado para fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios, na esteira do artigo 23, XI, da Constituição Federal, também neste ponto carece o citado ente de competência material. É que, se por um lado, o dispositivo constitucional retro não abarca o setor de Petróleo e Gás, eis que estes têm matriz orgânica e não recurso hídrico ou mineral doutro giro há norma específica a tratar desse setor, qual seja, o artigo 177, I, dispondo de forma expressa que à União cabe o monopólio da pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos e, bem assim, a fiscalização de polícia que lhe é afeita, em plena sintonia com o artigo 8, da Lei 9.478/97.
Em sede doutrinária, interessante anotar a percuciência de Aliomar Baleeiro [2] sobre o tema: Taxa sob pretexto de exercício de atribuição de alheia competência incorre em inconstitucionalidade, porque a Carta Política extrema as áreas de ação de cada pessoa de Direito Público.
De maneira conexa Sônia Corrêa da Silva [3] coloca: A regularidade do exercício do poder de polícia é, pois, premissa inafastável da competência para exigência da taxa correspondente
Nesse sentido, faltando ao de São Paulo o poder de fiscalização de polícia, ambiental ou regulatória, sobre as atividades de Exploração e Produção desenvolvidas offshore, resta alijado o Estado em tela da legitimidade para instituir a malfadada taxa em razão do que dispõe o parágrafo único do artigo 78, do Código Tributário Nacional, norma esta competente para dispor sobre normas gerais de direito tributário em razão do que estatui o artigo 146, III, da Constituição.
Ainda que se admitisse legítima a fiscalização de polícia ambiental e regulatória acima discorrida, o que se admite por amor ao debate, as atividades de pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás executadas offshore, notadamente as que se encontram na Plataforma Continental e Zona Econômica Exclusiva, se encontram fora da competência territorial do Estado de São Paulo. Conquanto o mar territorial seja bem da União, a Plataforma Continental e Zona Econômica Exclusiva não se caracterizam como território nacional (quiçá dos Estados e Municípios confrontantes) tendo a União direito a tão-somente o gozo dos respectivos recursos naturais, na forma do artigo 20, V, da Constituição. É o que se denomina soberania relativa, a qual é regulada pela Lei 8.617/93 e pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, internalizada no direito nacional pelo Decreto 1.530/95.
(III) Referibilidade da taxa em relação ao contribuinte e à atividade estatal desenvolvida em seu favor
Partindo-se do ponto que a taxa exsurge sempre de uma atividade estatal, é certo dizer que a mesma demanda haja referibilidade entre o múnus e a pecúnia respectivamente exigida. Contudo, inexiste em relação à TFPG contrapartida estatal a justificar o tributo. O grupo de contribuintes que deverão suportar a taxa não recebem atenção estatal em retorno, sendo certo que as atividades descritas no PL refletem meras aspirações hoje inexistentes para fundamentar a imposição desse tributo de natureza contraprestacional.
Com precisão cirúrgica a esse mister, preleciona Aires F. Barreto [4]: Não basta, ademais, que o serviço (ou poder de polícia) seja pertinente à competência recebida. Mister é que se desenvolva com efetividade. Atividades ou serviços futuros, ainda que programados, não podem dar origem ao tributo. Dá-se o mesmo se faltar a referibilidade direta em relação ao obrigado.
Nessa sequência de raciocínio, anota Ricardo Lobo Torres [5]: Parece-nos, entretanto, que o exercício do poder de polícia só justificará a cobrança da taxa se houver a prestação específica e divisível. É preciso distinguir, como fazem os administrativistas, entre poder de polícia geral e especial. Embora no poder de polícia a atividade pública se exerça em benefício da coletividade, nem por isso está ausente a vantagem ou desvantagem individual justificadora do tributo contraprestacional. A especificidade e a divisibilidade, que se implicam mutuamente, significando a prática de atos autônomos em benefício de indivíduos distintos, servem de divisor de águas entre o exercício do poder de polícia suscetível de tributação pela taxa e o exercício genérico desse poder financiado pela receita de imposto. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de taxas de segurança pelo policiamento ostensivo e geral, reconhecendo apenas a legitimidade das que se cobram em troca de atos específicos. Quanto à efetividade ou à disponibilidade, consistente na prática do ato, é também requisito essencial, sob pena de se confundirem a atividade específica estatal e o poder genérico de polícia, tendo em vista que o exercício meramente potencial do poder de polícia desemboca na segurança genérica da ordem pública. Desde cedo o STF procurou coibir o exercício do poder de polícia em si e por si, desprovido de efetividade.
Assim, ausente a juridicidade exigida para a modalidade de tributo em evidência, ilegítima a sua instituição por desconformidade com a moldura constitucional vigente e franca dissonância com o preceito emanado pelo artigo 145, II, da Carta Magna.
(IV) Relação de razoável equivalência entre o valor da taxa e o custo da respectiva atividade estatal
É cediço que a instituição de taxa decorre da necessidade de o Estado remunerar o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. No caso em análise, contudo, verifica-se que o contexto em que a taxa é instituída é eminentemente arrecadatório (conforme será aprofundado no tópico seguinte) e o volume total de arrecadação esperado com o advento da taxa é absolutamente dissonante do que seria razoável se esperar custaria o aparato estatal necessário para o exercício da fiscalização de polícia veiculada por meio da TFPG.
É o que preleciona Ives Gandra Martins [6]: Uma taxa cujo valor da imposição superasse de muito o custo do serviço público decorrente perderia sua característica fundamental de taxa para cobrir o poder de polícia e, por decorrência, seria ilegítima.
No mesmo sentido disserta Aires F. Barreto [7]: Em si mesmo considerado, o poder de polícia não há de gerar a com...
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