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25 de Abril de 2024

Garantismo sancionador no Direito Tributário

Publicado por Consultor Jurídico
há 11 anos

Nesse estudo, pretende-se examinar se o artigo 136 do Código Tributário Nacional, sempre interpretado como forma de responsabilidade objetiva pela prática de ilícitos, tem força para afastar o princípio garantista da culpabilidade e outros elementos subjetivos na aplicação das multas tributárias, à luz dos fundamentos do princípio do Estado Democrático de Direito, como prescrito pela nossa Constituição de 1988.

O garantismo, como modelo normativo [1], consiste numa metodologia de aplicação de normas jurídicas sancionadoras segundo o objetivo de concretização dos princípios e direitos fundamentais. É o modelo do direito punitivo conforme os valores do Estado Democrático de Direito. Apesar da forte constitucionalização do nosso Direito Tributário, no que concerne às sanções administrativas (multas), percebe-se que sua aplicação não se vê justificada sob os rigores do controle constitucional.

Se é verdade que o Direito Penal tem incorporado os recursos do garantismo, não se pode falar que persista um contínuo desse modelo ao longo das distintas searas, como o direito administrativo e o tributário, de modo equivalente. Neste orbe, o método da interpretação conforme à Constituição desponta com grande evidência no garantismo, para afastar essa deficiência de segurança jurídica material, o que se evidencia pela reduzida concretização dos direitos fundamentais nas aplicações das sanções tributárias.

A principiologia do direito punitivo aplica-se, igualmente, ao direito administrativo e ao direito tributário, pois consagram idênticos princípios da legalidade, tipicidade, vedação à analogia, irretroatividade e a retroatividade benigna. Esta legalidade, porém, desvela-se insuficiente sem a acomodação aos direitos fundamentais e demais princípios do ordenamento jurídico. E, dentre outros, a assunção do princípio da culpabilidade não pode ser olvidada, sob pena de mitigar aquele garantismo hermenêutico.

Em todos os âmbitos, os princípios nullum crimen sine legis e nulla poena sine lege convergem para a mesma eficácia e identidade de critérios, sem qualquer mutação normativa. Por isso, qualquer aplicação de regras sancionadoras (tipos) não pode deixar de avaliar a conduta do agente, tanto em relação aos fatos dos quais decorrem as imputações alegadas (antijuridicidade), quanto no contexto do exercício das suas atividades, em relação à observância da legislação vigente e relacionamento com os órgãos competentes. Esta é uma garantia constitucional de fundamental relevo.

Eis aqui nossa primeira conclusão fundamental, o exame da antijuridicidade e da culpabilidade impõe-se também para sanções administrativas e tributárias, dada a unidade do ilícito para fins administrativos, penais ou civis. A aplicação de sanções sem cuidado para os elementos subjetivos descumpre princípios do direito constitucional sancionatório dos mais relevantes, em franca desconexão com o garantismo. Agir diverso da administração, com toda evidência, expõe a decisão ao controle de constitucionalidade, pela quebra da segurança jurídica.

É nesse sentido que somente uma interpretação conforme à Constituição permite compreender os exatos termos do artigo 136, do CTN. Eis sua redação:

Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.

Não se diga, entretanto, que o artigo 136 do CTN reclama a objetividade da sanção tributária e o dolo, assim como a boa fé, a confiança legítima ou a impossibilidade de conduta diversa não poderiam ser examinados pelo aplicador das normas tributárias.

A culpabilidade deve ser conhecida e apreciada porquanto intimamente relacionada à exigência constitucional de individualização das penas (artigo , XLVI da CF), a qual exige a verificação das características individuais do infrator quando da gradação da sanção. [2]

Ao examinar o princípio da culpabilidade, Santiago Mir Puig distingue duas condições de imputação de responsabilidade pessoal, a infração cometida com dolo específico (infração pessoal) e a responsabilidade penal da pessoa:

Tudo isso me levou a distinguir entre as condições de imputação pessoal do fato antijurídico, dois momentos: (a) a infração pessoal de uma norma de determinação (a norma primaria concreta); (b) a responsabilidade penal do sujeito. Mas antes de desenvolver o conteúdo e o significado de ambas as categorias, é necessário examinar a evolução histórica do termo que se costuma utilizar para expressar a exigência de imputação pessoal: a culpabilidade. [3]

Diante disso, para a aplicação de qualquer multa, os indícios devem vir conjugados com uma análise da conduta do sujeito, de sorte a legitimar a projeção de consequências jurídicas sancionatórias sobre sua esfera jurídica, cuja sanção deve sempre ser alcançada de modo objetivo. Não é por menos que o artigo 142 do CTN, in fine, aluda ao dever funcional de proposta de aplicação da penalidade cabível, porquanto o auto de infração, em verdade, não aplica a sanção à pessoa à qual imputa conduta delituosa. Em verdade, quem o faz, efetivamente, numa interpretação conforme a Constituição, é a autoridade do processo administrativo, para um exame completo da materialidade dos fatos e das condutas. E tudo sob o manto garantista dos princípios processuais da presunção de inocência, do contraditório, da livre apreciação de provas e do duplo grau de jurisdição.

Nesses termos, quando se trata de alegação de crime, o artigo 137 do CTN é implacável: a responsabilidade é pessoal do agente, ao se observar o exame do dolo e da culpabilidade, em toda a sua extensão.

Deveras, a administração fazendária não pode deixar de examinar as motivações da conduta do contribuinte, objetivada no conjunto de atividades desempenhadas, sob pena de se converter, o ato administrativo de aplicação de multa ou de sanção administrativa em vitanda ilegalidade ou inconstitucionalidade.

Nos dias atuais, seja qual for a corrente teórica do tipo punitivo, a pena somente pode ser aplicada quando presente o exame da culpabilidade, ou nas palavras de Jakobs: não existe uma lesão da vigência da norma jurídico-penalmente relevante sem culpabilidade. E prossegue: somente quem vulnera a norma de comportamento sendo responsável, isto é, sendo culpável, vulnera essa norma, e nesta vulneração da norma é que se define a finalidade da pena [4]. A culpabilidade é pressuposto inafastável da pena no Estado Democrático de Direito. E não se cumpre o exame da culpabilidade sem a mais ampla e livre apreciação de provas. No garantismo do nosso direito constitucional ninguém pode ser punido sem provas ou afastada a apreciação das provas produzidas pelo acusado, sob a égide do contraditório, para determinar a culpabilidade.

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