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24 de Abril de 2024

Crimes hediondos: enquanto enforcavam, tungavam

Publicado por Consultor Jurídico
há 11 anos

Quando bater carteira dava pena de morte

Conta-se que o dia em que enforcaram os primeiros condenados à morte pelo crime de bateção de carteira em um país da Europa foi também o dia em que mais carteiras se furtou. Os curiosos foram à praça ver os enforcamentos e, bingo! A malta lixando-se para a hediondez do crime (a metáfora é minha) aproveitou para tungar mais ainda.

Veja-se: não estou dizendo que a pena não resolve. Tenho minhas diferenças com setores do Direito Penal brasileiro, principalmente com os iluministas tardios ou os libertaristas, que (quase) acham que é proibido proibir. [1] Menos. Um garantista da cepa como Ferrajoli não pensa assim, embora alguns leitores do mestre acreditem que ele seja um abolicionista.

De minha parte, acredito que a pena é necessária. A pena é castigo. É retribuição. E deve servir para prevenção geral. Mas só ela a pena não resolve. E, quanto maior e inexequível, mais caráter simbólico assume. E pode ser um tiro no pé. Já escrevi na coluna passada lembrando da transformação da falsificação de medicamentos em crime hediondo. Alguém recorda de alguma condenação? Fazendo uma alegoria em relação à lenda dos enforcamentos e da tunga das carteiras, no dia em que sancionaram a hediondez dos medicamentos foi o dia em que mais se falsificou uma ideia: a de crime hediondo como panaceia, como remédio (sem trocadilho) para todos os males.

A velha mania de legislar no calor da novidade

Pois bem. Estamos diante de uma nova inclusão de crimes do rol dos hediondos. Desta vez são os crimes de corrupção e peculato. Isso, à evidência, merece uma discussão mais aprofundada. É o pano de fundo necessário para revolver o chão linguístico em que está assentada a tradição acerca do que seja bem jurídico e o poder-dever de punição em terrae brasilis.

Quem tem acompanhado as sucessivas manifestações e seus mais recentes desdobramentos pode observar que os poderes da República refizeram sua agenda de modo a dialogar com as tantas vozes que vêm das ruas clamando por mudanças. Claro, refiro-me aqui a quem o faz com olhos críticos. A massa recém desperta (?) ainda se alterna entre o deslumbramento e ação irrefletida.

Contudo, o momento é realmente muito bom para que pensemos sobre as questões estruturais dos problemas evidenciados nas manifestações, afinal, só assim se poderá reconhecer e refutar factoides, paliativos e demagogias, tanto os exigidos quanto os oferecidos e recebidos muitas vezes como soluções. Por isso, irei analisar a elevação do crime de corrupção (e outros) ao status de hediondo, cartaz levantado por inúmeros manifestantes, compromisso da presidente da República e projeto aprovado no Senado.

O Direito Penal e o dinheiro da viúva

Sinto-me a cavaleiro para falar sobre e do assunto. Afinal, fui citado na exposição de motivos do projeto da nova lei (ainda falta aprovar na Câmara). Antes de tudo, devo louvar o interesse e a dedicação do senador Pedro Taques (PDT-MT). Se o seu mandato encerrasse hoje, seu nome já estaria gravado no Senado como um dos mais combatentes parlamentares contra a impunidade. Veja-se a sua luta para a aprovação do novo Código Penal e suas discussões fortes com setores refratários a uma exasperação das penas dos crimes de cariz metaindividual. Taques tem muito claro que no Estado Democrático de Direito, o Direito Penal deve voltar as suas baterias em direção aos crimes que colocam em xeque os objetivos da República. Ou seja, penas menores para os crimes de cariz individual e penas mais duras para os crimes cometidos pelo andar de cima, em que se enquadra, sim, a corrupção, bem como a sonegação de tributos (o sonegômetro aponta para o valor de R$ 415,1 bilhões/ano clique aqui para ler). Já, aqui, vai um pequeno registro: parcela considerável do Direito Penal de terrae brasilis não quer discutir essa questão da criminalização mais dura da sonegação de tributos... Por que será?

Sigo. A demanda por reprimenda efetiva para as condutas que lesam o patrimônio público (obviamente) não é nova. Não que seja levada em conta quando elegemos nossos representantes. A Ficha Limpa é um belo exemplo disso: uma lei que impede que elejamos novamente pessoas que macularam seu histórico sozinhos não somos capazes de deixar de votar nessa gente, mas é uma bandeira balançada por setores da direita e da esquerda de forma indistinta. Ou seja: somos tão bons, saímos para protestar, mas precisamos de uma lei para nos proteger (de nós mesmos) para que não elejamos fichas sujas.

A corrupção e a hediondez

Como referido, o Senado aprovou no dia 26 de junho o PLS 204/11 que inclui no rol dos crimes hediondos os tipos penais descritos nos artigos 316, 317 e 333 do CP. [2] Elevou ainda as penas mínimas de todos para quatro anos. Tal fato se deu no dia imediatamente posterior à presidente se dirigir à nação e afirmar ser prioridade a elevação do crime de corrupção dolosa (sic).

Pois bem. Foi feito. E agora? corruptos passarão a ser vistos frequentando o sistema carcerário? Não é bem assim...

Já denuncio de há muito (e nessa esteira uma série de orientandos meus) que o Direito Penal em terrae brasilis não passou por uma filtragem constitucional em 1988 e segue sendo remendado sem a observância dos requisitos impostos pela nova ordem paradigmática e consoante com o avanço da teoria do delito. Aproveito para refutar aqui a tola (e tão comum no imaginário jurídico) ilusão de que se pode separar teoria e prática, como se por trás desta última não houvesse qualquer fundamento teórico, de modo a realizar-se por si mesma.

Há quase 20 anos, venho denunciando a seletividade penal e a consequente disparidade de tratamento dado às penas previstas para os delitos individuais, em especial nos crimes contra o patrimônio cometidos sem violência à pessoa, e os metaindividuais cometidos por agentes econômica ou politicamente poderosos, como nos casos da sonegação fiscal, da apropriação indébita pr...

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