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19 de Abril de 2024

Contradição é inerente à atividade estatal

Publicado por Consultor Jurídico
há 11 anos

A promulgação da nova Lei dos Royalties a Lei 12.734/2012 pelo Congresso Nacional no fim de 2012, depois de uma batalha entre estados pelas compensações bilionárias da extração de petróleo e gás, colocou um imbróglio no colo da Advocacia-Geral da União, responsável por defender os Poderes da República no Judiciário e assessorar juridicamente a Presidência na tomada de decisões. Como a presidente Dilma Rousseff, aconselhada pela AGU, vetou artigos da lei que redistribuíam a todos os estados e municípios royalties de concessões de campos de petróleo já em exploração que iam, em sua maior parte, para os cofres de estados e municípios produtores, a AGU ficou, diante de questionamentos no Supremo Tribunal Federal, dividida entre defender os vetos e a lei na íntegra.

A solução, acertada depois de muitos debates na cúpula do órgão, foi defender os dois lados. A favor dos vetos derrubados pelo Congresso e contra a versão da lei que acabou prevalecendo, falaria a Consultoria-Geral da União, que tem a incumbência de assessorar a presidente. Em defesa da lei e do Congresso Nacional, manifestou-se a Secretaria-Geral de Contencioso da AGU. Ambas as manifestações, antagônicas, foram entregues ao Supremo para municiar os ministros para decidir nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.916, 4.917 e 4.918, ajuizadas por estados produtores de petróleo.

O episódio revelou a complexidade do papel da AGU na defesa de entes públicos. Segundo o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams , não foi a única vez em que a AGU deparou com a escolha entre qual interesse defender. Batalhas que opuseram o Conselho Nacional de Justiça e tribunais, devido a punições a magistrados ou regras que alteravam a rotina das cortes, por exemplo, obrigaram a AGU a adotar a solução derradeira: nomear um de seus advogados públicos como advogado "ad hoc", encarregado de defender um dos lados, desobrigando-o, temporariamente, de se submeter às regras de subordinação que a carreira impõe ao advogado-geral da União no exercício da função.

Para reduzir o impacto dessas disputas, a AGU tem levado embates de dentro do governo à sua Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, o que evita a judicialização. Dívidas de tributos de autarquias, por exemplo, têm sido resolvidas por acertos orçamentários, e não mais por execuções fiscais. "Resolve-se orçamentariamente, porque não temos uma pessoa jurídica una, mas temos um orçamento uno, todos têm a mesma fonte orçamentária", explica Adams.

Segundo informações da AGU, entre 2007 e 2013, a câmara pôs fim a 152 disputas travadas dentro do poder público. Algumas matérias já estavam judicializadas em várias instâncias. Com a solução extrajudicial, as ações foram extintas com julgamento de mérito. O Monitor de Processos em Conciliação da câmara identifica a soma de R$ 8 bilhões em valores de processos que deram entrada no órgão, mas esse número não revela o tamanho da vantagem.

"Nas conciliações, os valores financeiros não são aferidos como vetores de maior importância, pois os acordos feitos entre órgãos e entes da Administração Pública não se medem por valores, mas sim pelos resultados imateriais que são alcançados em favor das políticas públicas. Um exemplo são as controvérsias entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Cultural Palmares sobre superposição de reservas biológicas com terras quilombolas", explica Adams.

Não é a única estratégia de Adams para aperfeiçoar o trabalho do órgão. Sua menina dos olhos é o projeto de Lei Orgânica da AGU o PLP 205/2012, que tramita na Câmara dos Deputados. A proposta resolve uma série de problemas da carreira, como a separação hoje existente entre os procuradores federais que atuam em autarquias como o Banco Central, o INSS, agências reguladoras ou universidades federais dos advogados da União lotados em órgãos específicos da AGU. Com a mudança, todos passam a se submeter ao mesmo chefe e a ter o mesmo orçamento e o auxílio de profissionais das carreiras de apoio.

Hoje, a AGU conta com 7.788 membros em quatro carreiras jurídicas. Do total, 1.635 são advogados da União; 4.029 são procuradores federais; 1.940 são procuradores da Fazenda Nacional; e 184 são procuradores do Banco Central. Somam-se a esses os 24 assistentes jurídicos e os cerca de 4 mil servidores administrativos.

O texto em debate no Congresso, no entanto, é criticado por associações da classe. Os principais alvos são o espaço garantido em funções comissionadas para advogados não concursados e escolhidos pelos gestores públicos, inclusive para chefias, e as punições para profissionais que errarem ou desobedecerem ordens superiores. Segundo Adams, no entanto, a maior parte das alegações se devem a interpretações radicais do texto e a falta de informação. Os riscos, segundo ele, são maiores com a lei atual, a Lei Complementar 73, de 1993.

Sob o comando de Adams desde outubro de 2009, a AGU contabiliza, entre 2010 e 2012, ter gerado arrecadação ou economia de um total de R$ 133 bilhões aos cofres federais. Só no Supremo, as principais brigas hoje são, além dos royalties, a política tarifária de transporte aéreo (Recurso Extraordinário 571.969); os expurgos inflacionários decorrentes dos planos econômicos (RE 626.307); a defesa da Lei Geral da Copa (ADI 4.976); e do programa Mais Médicos do governo federal (MS 32.224 e MS 32.238); a desaposentação (RE 661.256); e a exigência de que pedidos previdenciários sejam feitos primeiro administrativamente e, só depois, na Justiça (RE 631.240).

Também estão sob monitoramento constante processos envolvendo as obras do Programa de Aceleracao do Crescimento do governo federal, como a construção da Usina Hidrelétrica de Benlo Monte; a Copa do Mundo de 2014; os Jogos Olímpicos de 2016; e o Exame Nacional do Ensino Médio. Ao todo, são cerca 23 milhões de processos, incluindo a atuação das quatros carreiras jurídicas da AGU.

Segundo o órgão, as atenções estão voltadas especialmente para os leilões de imóveis de Jorgina de Freitas, condenada por fraudes ao INSS; e a ações regressivas, como as ajuizadas em relação ao incidente na boate Kiss, em Santa Maria (RS), que matou 242 pessoas em janeiro. A AGU cobra R$ 1,5 milhão dos sócios da boate, como ressarcimento de valores gastos pelo INSS com a pensão por morte e auxílio doença de beneficiários da Previdência.

Nesta entrevista, além de explicar o projeto de nova lei orgânica em detalhes, o ministro fala ainda sobre o pagamento de honorários de sucumbência a advogados públicos, protesto em cartório de multas de órgãos contra empresas, atuação de procuradores da Fazenda como assessores de ministros e desembargadores e a ideia de reforma política anunciada pela presidente Dilma. Segundo ele, a AGU não foi consultada para opinar sobre o "processo constituinte específico" sugerido pela presidente.

Leia a entrevista:

ConJur A atuação no caso da Lei dos Royalties é um exemplo da complexidade do papel híbrido da AGU?

Luís Inácio Adams As manifestações da AGU nos dois sentidos são de pessoas diferentes. A presidente, ao oferecer informações ao Supremo, é assessorada pela AGU, que lhe dá elementos. Já a defesa da lei é do advogado-geral da União, não é da AGU. Nesses dois casos, a manifestção está de acordo com a visão de quem efetivamente a faz. O que há de interessante na manifestação do advogado-geral é que ela é vinculada. O advogado-geral tem obrigação de manifestar argumentos de defesa do ato, independentemente de sua visão sobre o tema. Convicção pessoal fica em segundo plano em relação à obrigação profissional. Porque é preciso haver um curador que defenda a lei.

ConJur O advogado-geral vai sempre defender uma lei questionada no Supremo?

Luís Inácio Adams Tem se admitido exceções de duas ordens. A primeira é quando há posicionamento anterior do Supremo sobre o tema. É comum acontecer nos casos de guerra fiscal. O Supremo tem reiteradamente decidido que leis que concedem benefícios fiscais nos estados têm que ter a aprovação do Confaz [ Conselho Nacional de Política Fazendária ]. Se não tiver, é inconstitucional. Isso autoriza o advogado-geral a não defender a lei. Nesse caso, o próprio estado se faz presente como amicus curiae . Outra situação em que isso pode acontecer é quando há sobreposição de competência, quando um estado aprova uma lei sobre assunto em que a competência concorrente é da União. Se o estado avançar sobre a competência da União, temos de fazer a opção. Há ocasiões em que não há como defender as duas normas. Há ainda outra possibilidade, que é quando há interpretação da lei conforme a Constituição, sem redução de texto, ou seja, quando há mais de uma forma de se interpretar uma lei. Aí a AGU faz a opção quanto ao lado em que vai atuar, porque a lei não vai ser eliminada do mundo jurídico.

ConJur Nos exemplos que citou, a AGU atua sempre de um lado só. Já no caso da defesa da Lei dos Royalties , a defesa é dos dois lados.

Luís Inácio Adams É uma atuação diferenciada. Em casos como esse, o advogado-geral é incumbido pela Constituição Federal de defender a lei contestada. Há situações em que ele deve colocar de lado as próprias convicções pessoais para defender a lei, como manda a Constituição.

ConJur Como fazer isso com honestidade intelectual?

Luís Inácio Adams No Direito, você faz prospecção de possibilidade de aplicação da legislação. As interpretações, muitas vezes, não são convergentes. Aliás, a divergência de compreensão da lei é que gera pretensões e resistências. Então, h...

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