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19 de Abril de 2024
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    Há solução jurídica para a demarcação de áreas indígenas

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 10 anos

    Algumas distorções nos trabalhos da Funai que causaram indignação aos atingidos ocorreram em processos realizados sobre a égide do Decreto 1.775/96, cuja aplicação não é possível na maioria dos casos de demarcações atuais.

    A Constituição Federal de 1988 definiu expressamente que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União, reiterando a de 1967, e reconheceu aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam e a posse permanente, competindo à União demarcá-las.

    O erro central de quem tem operado as demarcações indígenas é aplicar diretamente o Decreto 1.775/96, como se o art. 231 da Constituição Federal fosse por ele regulamentado, o que seria uma inconstitucionalidade formal. Contudo, a regulamentação das demarcações não é feita diretamente pelo Decreto 1.775/96, mas pela Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio), que foi recepcionada pela Constituição de 1988 em sua maior parte.

    A Lei 6.001/73 diferencia as áreas indígenas em quatro tipos: a) Terras Ocupadas - são aquelas com posse efetiva e permanente por índios que as habitam, independentemente de demarcação, definindo como bens inalienáveis da União. Essas são as terras a que se refere o caput do art. 231, da CF; b) Áreas Reservadas - o Estatuto do Índio define que a União pode estabelecer áreas indígenas reservadas através de compra ou desapropriação. Não se confunde esse tipo com as de posse imemorial, tradicionalmente ocupadas. As áreas reservadas podem ser: b.1) reserva indígena é o habitat com meios para subsistência; b.2) parque indígena é área contida na posse de índios integrados e para preservação ambiental, como o Parque do Xingu; b.3) colônia agrícola indígena área para exploração agropecuária, administrada pela Funai, onde convivam índios aculturados e membros da comunidade nacional; c) Território federal indígena entende-se que não foi recepcionado pela CF/88; d) Terras de domínio indígena aquelas adquiridas na forma da lei civil. Equivale à propriedade civil comum.

    A interpretação das normas aplicáveis às demarcações deve ser feita de modo a preservar o sistema jurídico, pois o Decreto 1.775/96 regulamenta o Estatuto do Índio e não diretamente a Constituição Federal. A interpretação isolada a partir do decreto desintegra o conjunto normativo, levando a consequências desastrosas.

    Do que se demonstrou anteriormente, somente as terras ocupadas, de que trata parte do Estatuto do Índio, são passíveis de demarcação administrativa na forma do Decreto 1.775/96, que nunca pretendeu desconstituir propriedades seculares, protegidas pelo art. da CF.

    O estatuto garante aos indígenas a posse permanente das terras que habitam, determinando a demarcação administrativa conforme processo estabelecido em decreto do Poder Executivo. Assim como o art. 231 da CF/88, a demarcação administrativa só pode ser feita em terras da União e apenas em terras ocupadas pelos indígenas ao tempo da Constituição de 1988.

    A nulidade e a extinção de atos jurídicos são apenas para os títulos que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação das terras habitadas pelos índios ou comunidades indígenas. A exceção é para as terras que tenham sido desocupadas em virtude de ato ilegítimo de autoridade ou particular, mas que tem de ser devidamente comprovada e não apenas pelo laudo antropológico unilateral.

    Assim, tanto o caput do art. 231 quanto o Decreto 1.775/96 destinam-se unicamente às áreas ocupadas pelos indígenas em 1988. Isso decorre do corolário lógico de que a demarcação meramente administrativa somente pode ser feita em área que seja da própria União Federal, como são as áreas indígenas ocupadas.

    Proibido riscar

    Assim como qualquer particular, a União em suas áreas pode criar administrativamente divisões e modificar destinações. Não pode, no entanto, riscar o mapa de áreas privadas como se estivesse em seu próprio domínio, unilateral e inconstitucionalmente revogando títulos válidos.

    No regime constitucional e legal brasileiro não é possível que um ente público desconstitua propriedade privada através de ato meramente administrativo. O direito de propriedade foi uma conquista histórica dos direitos humanos, que substituiu o sistema de domínio do rei ou da Igreja, garantindo aos cidadãos a propriedade de suas casas e os direitos correlacionados, como a inviolabilidade do domicílio e a privacidade. Trata-se o direito de propriedade de fator estruturante do modelo de República brasileiro e como tal deve ser tratado, conforme estabelece a cláusula pétrea do art. da Constituição.

    Para resolver o problema de criação de outras áreas indígenas, deve a União constituí-las no segundo formato previsto na Lei 6.001/73, de áreas reservadas, adquirindo-as pelos meios jurídicos disponíveis, em especial a compra e a desapropriação.

    No entanto, essa constituição de áreas reservadas terá de obedecer a todos os preceitos constitucionais e legais, em especial os princípios do direito administrativo, dos quais se destacam o da legalidade e o da razoabilidade, cujo atendimento poderá ser avaliado judicialmente.

    Nesse aspecto, não podem as demarcações mal iniciadas no formato do Decreto 1.775/96 serem transformadas em outro tipo no meio do caminho, por vício ao princípio dos motivos determinantes do ato administrativo. Equivocadas portanto as conclusões do CNJ acerca das demarcações em curso no Mato Grosso do Sul.

    Causa dos conflitos

    A extensão indevida da aplicação do Decreto 1.775/96 é que tem causado a série de conflitos entre indígenas e proprietários. Para aqueles, cria a expectativa de direito que não têm, estimulando uma espécie de revanche histórica. Para esses, impõe a perda de suas casas sem direito à indenização.

    Com têm sido conduzidas as demarcações, há vícios a vários princípios constitucionais, em especial os da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, de obtenção de...

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