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26 de Abril de 2024
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    Crime de descaminho depende do fim do processo administrativo

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 10 anos

    Há pouco tempo foi noticiado que a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do habeas corpus 218.961-SP [1], teria mudado de entendimento sobre a natureza do crime de descaminho para negar a necessidade do término do processo administrativo-fiscal como condição para a sua configuração, em sentido contrário ao que vem sendo decidido pela própria corte [2]. De acordo com aquele julgado, ao descaminho não deve ser conferido o mesmo entendimento que vem sendo dado ao crime previsto no artigo da Lei 8.137/90, consolidado na Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal [3].

    Do acórdão do habeas corpus extrai-se que os fundamentos para tal conclusão foram os seguintes: (i) o crime de descaminho teria natureza formal; (ii) o bem jurídico protegido pelo crime seria mais que o mero valor do imposto, englobando a balança comercial e a atividade comercial brasileira.

    O que se pretende aqui é demonstrar, à margem do caso concreto, que (i) o descaminho é crime material e (ii) que eventual amplitude do bem jurídico protegido por este tipo penal não afasta a necessidade do término do processo administrativo-fiscal, com decisão desfavorável ao contribuinte, para sua configuração [4]. Vejamos.

    Crime material

    Quanto ao primeiro fundamento, que considera o descaminho crime formal, o acórdão, após transcrever a íntegra do tipo penal, menciona que Como se vê, o crime de descaminho se perfaz com o ato de iludir o pagamento de imposto devido pela entrada de mercadoria no pais. Não é necessária, assim, a apuração administrativo-fiscal do montante que deixou de ser recolhido para a configuração do delito. Trata-se, portanto, de crime formal, e não material, razão pela qual o resultado da conduta delituosa relacionada ao quantum do imposto devido não integra o tipo legal. Parece-me, salvo melhor juízo, não ser o bastante para taxar o descaminho de crime formal.

    As diferenças do crime formal para o material não são de fácil compreensão e, como sabido, não se resumem ao básico argumento da exigência de resultado. Isso porque tanto o crime formal quanto o material podem descrever um resultado. A diferença principal está na possibilidade de diferimento entre a ação, o verbo, e o resultado dela decorrente. Em outras palavras: a diferença reside na possiblidade de se separar o resultado previsto no tipo penal do desenrolar da conduta. Nos crimes formais, conduta e resultado são inseparáveis no tempo e no espaço, razão pela qual não admitem tentativa [5]. Já nos crimes materiais, o resultado surge deslocado da conduta do qual é ligado por nexo de causalidade, e sua ocorrência é condição para a consumação do crime [6].

    O saudoso e sempre atual Manoel Pedro Pimentel, em profundo estudo o tema, resumiu de forma brilhante as diferenças:1) Se é verdade que tanto os crimes formais, como os materiais, apresentam um resultado de dano ou de perigo concreto, difere o momento da incidência desse resultado; nos crimes do primeiro grupo, o resultado vem enredado na própria conduta; nos crimes materiais, o resultado se destaca, no tempo e no espaço, e da sua ocorrência que pode ser evitada, no iter criminis depende a consumação do crime. 2) O crime formal, pela sua natureza, não admite a tentativa, pois o realizar-se da ação já implica a consumação do delito; o crime material, que pode ser interrompido no seu iter, possibilita a tentativa, admitindo, ainda, o reconhecimento da desistência voluntária e do arrependimento eficaz; ainda com referência aos crimes materiais, os antecedentes do resultado lesivo podem constituir, por si sós, fatos puníveis, nos termos do artigo 13 do Código Penal, o que não é possível nos crimes formais, porque os atos de execução já são a própria consumação. (PIMENTEL, 1975, p. 43) [7]

    É exemplo de crime formal a falsidade ou, mais próximo do tema aqui tratado, o crime previsto no artigo , inciso I, da Lei 8.137/90 (fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas (...), ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente do pagamento de tributo.). As condutas desse crime são fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas ou empregar outra fraude, e suas práticas são suficientes para configurá-lo, independente da fuga total ou parcial do pagamento de tributo. De acordo com a vontade do legislador, a realização de tais condutas traz consigo um resultado presumido que por si só já configura o crime, independente de qualquer desdobramento. A sonegação de impostos aqui não assume propriamente a figura de um resultado stricto sensu, do qual necessitaria a sua consumação, mas de um objetivo a que a conduta deve se destinar um elemento subjetivo específico do tipo. Vale dizer, este tipo, do ponto de vista apenas da tipicidade formal, poderia se configurar independente do objetivo nele previsto. Bem diferente em termos de conceituação é o crime previsto no artigo 1º da mesma Lei, sobre o qual parece não pairar dúvidas de que é material. [8] Nele, o resultado é suprimir ou reduzir tributo, ou seja, deixar de pagar tributos ou fazê-lo a menor, necessariamente mediante as condutas previstas em seus incisos, que em sua maioria representam uma falsidade ou uma fraude. Aqui, os resultados supressão ou redução são perfeitamente separáveis no tempo e no espaço das condutas-meio que os geram. Uma empresa, por exemplo, entrega uma declaração falsa de seu movimento para apuração do ICMS (conduta) que pode ou não gerar um resultado posterior (sonegação fiscal), o qual, ocorrendo, consumará o crime. Caso o resultado não ocorra, as condutas-meio eventualmente podem ser consideradas como crime autônomo, como o de falsidade.

    Não se pode negar que a estrutura do descaminho [9] é muito semelhante à do crime previsto no artigo1ºº da Lei8.1377/90, principalmente após a adequada compreensão da conduta iludir, e sua distinção do resultado da qual decorre por nexo de...

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