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20 de Abril de 2024
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    Supremo analisa pena para crime de atentado violento ao pudor

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 20 anos

    Condenado por crime de atentado violento ao pudor pode ser beneficiado com a progressão de regime? A questão será decidida, em breve, pelo Supremo Tribunal Federal, que julgará o Habeas Corpus 82.959, originário de São Paulo.

    O pedido ataca acórdão firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, que determinou o cumprimento da pena em regime integralmente fechado, por classificar o crime como hediondo.

    O condenado por atentado violento ao pudor contra uma menor de 14 anos pede a progressão de regime. Ele alega que o crime que cometeu não pode ser classificado como hediondo. Isso porque, do ato criminoso, não resultou lesão corporal grave nem morte da vítima.

    Até agora, o placar no STF está apertado. O pedido de progressão de regime é concedido por três votos a dois. A favor estão os ministros Marco Aurélio, relator do HC, Carlos Britto e Cezar Peluso. Contra, Carlos Velloso e Joaquim Barbosa. Agora, o processo está no gabinete do ministro Gilmar Mendes, que pediu vista.

    Em seu voto (leia a íntegra abaixo), o ministro Cezar Peluso, além de conceder a progressão de regime, ainda afasta o aumento da pena imposta ao condenado. Para ele, o crime de atentado violento ao pudor, na forma simples, não é crime hediondo.

    Dessa forma, diz o ministro, não se aplica "o regime jurídico próprio a estes crimes e sequer a causa de aumento de pena".

    Leia a íntegra do voto de Cezar Peluso

    HABEAS CORPUS 82959 SÃO PAULO 11

    RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

    PACIENTE (S): OSEAS DE CAMPOS

    IMPETRANTE (S): OSEAS DE CAMPOS

    COATOR (A/S): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    MINISTRO CEZAR PELUSO

    VOTO-VISTA

    1.O paciente/impetrante foi acusado da prática do delito previsto no artigo 214, c/c arts. 224, § 1o, I, 226, III e 71, todos do Código Penal. Condenado, interpôs apelação, julgada pela 1a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que lhe deu parcial provimento para reduzir a pena fixada a 12 anos e 3 meses de reclusão, mas mantendo o regime integral fechado para o seu cumprimento (fls 23).

    Em writ impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça (HC nº 23.920), argumentou o impetrante que o crime pelo qual fora condenado não poderia ser considerado hediondo, já que dele não resultara lesão corporal grave nem morte, tendo sido praticado apenas com violência presumida. Sustenta, outrossim, a inconstitucionalidade do artigo 2o, § 1o, da Lei n. 8.072/90, que veda a progressão de regime, acrescentando, em alternativa, não obstante, que este dispositivo teria sido derrogado pela Lei n. 9.455/97.

    A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça indeferiu a ordem nos termos do voto do e. Min. VICENTE LEAL, em acórdão que recebeu a seguinte ementa:

    PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. INEXISTÊNCIA DE LESÃO CORPORAL GRAVE OU MORTE. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CRIME HEDIONDO. REGIME INTEGRALMENTE FECHADO. ART. 2O, § 1O, LEI 8.072/90. CONSTITUCIONALIDADE. NÃO REVOGAÇÃO PELA LEI 9.455/97.

    - A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, nas suas formas qualificadas ou simples, ou seja, mesmo que deles não resulte lesão corporal grave ou morte, e ainda que praticados mediante violência presumida, são considerados hediondos, devendo as suas respectivas penas serem cumpridas em regime integralmente fechado, por aplicação do disposto no artigo 2o, § 1o, da Lei 8.072/90.

    - E na linha do pensamento predominante no Supremo Tribunal Federal, consolidou, majoritariamente, o entendimento de que a Lei n. 9.455/97, que admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, não revogou o art. 2o, § 1o, da Lei n. 8.072/90, que prevê o regime fechado integral para os chamados crimes hediondos.

    - É firme o posicionamento desta Corte, em consonância com a jurisprudência do STF, no sentido da compatibilidade da norma do art. 2o, § 1o, da Lei 8.072/90 com a Constituição Federal.

    - Habeas-corpus denegado.” (DJ de 17/02/2003).

    É contra este v. acórdão que se insurge agora o impetrante, reclamando, conforme relatório do e. Min. Marco Aurélio, Relator, que o ato praticado deveria ser considerado obsceno, e não, atentado violento ao pudor; que a violência presumida contra menor de quatorze anos não qualificaria o crime como hediondo; que há ausência de fundamentação no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça; que há impossibilidade de aumento da pena em um sexto, por não revelar a espécie crime continuado; que é incoerente a admissão de progressão de regime no cumprimento de pena por crime de tortura e não nos crimes hediondos.

    Remete-se a julgados do Superior Tribunal de Justiça segundo os quais “os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, na modalidade ficta (com violência presumida) não são considerados crimes hediondos” (HC 9345; HC nº 11.537; RESP 203.580), e a Lei nº 9.455/97 alcança a pena dos crimes previstos na Lei n. 8.072/90, autorizando a progressão no regime de seu cumprimento (HC nº 10.658).

    Solicitadas informações, o Superior Tribunal de Justiça enviou cópia integral do acórdão referente ao HC nº 23.920.

    O parecer da Procuradoria Geral da República é pelo indeferimento da ordem.

    Em sessão plenária, já votaram os ministros MARCO AURÉLIO, relator, CARLOS VELLOSO e CARLOS BRITTO. O relator, no sentido da concessão da ordem por não ser hediondo o crime de atentado violento ao pudor na forma simples restando, assim, prejudicada a questão referente à vedação de progressão de regime. O min. CARLOS VELLOSO, em antecipação de voto, é pelo indeferimento, nos termos do precedente da Corte no HC nº 81.288. O min. CARLOS BRITTO é pelo deferimento, quanto à declaração de inconstitucionalidade do § 1o do artigo 2o da Lei nº 8.072/90, enquanto veda progressão de regime.

    2.Pedi vista dos presentes autos para um exame mais cauteloso da matéria referente a ser ou não o crime de atentado violento ao pudor, na forma simples, considerado hediondo, e da vedação da progressão de regime.

    3.Quanto à primeira questão, deve-se atentar na evolução no trato legislativo do crime de atentado violento ao pudor.

    Na redação original do Código Penal, a pena cominada ao crime previsto no artigo 214 era a de reclusão de 2 a 7 anos.

    Com a edição da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), foi-lhe acrescentado um parágrafo único para punir mais severamente o autor do crime, quando praticado em prejuízo de vítima menor de 14 (quatorze) anos, caso em que e pena seria de 3 a 9 de reclusão.

    A entrada em vigor desta lei foi protraída no tempo (13/10/90) e, durante a vacatio, veio a lume a Lei nº 8.073/90 - Lei dos Crimes Hediondos, que, no artigo , determinou o aumento dos limites máximo e mínimo da pena do crime de atentado violento ao pudor na forma simples, os quais passando ser de 6 a 10 anos de reclusão. (1) Esta lei entrou em vigor em 25/07/90 e, em vários dispositivos, tratou do crime de atentado violento ao pudor, verbis:

    Art. 1o. São considerados hediondos os crimes de ...; atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); (...).

    Art. 6o. Os arts. ...; 213, 214, 223, caput e seu parágrafo único; ... passam a vigorar com a seguinte redação.

    Art. 9o. As penas fixadas no artigo 6o para os crimes capitulados nos artigos ... 214 e sua combinação com o artigo 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 (2) também do Código Penal.

    A pena originária para o crime de atentado violento ao pudor foi, assim, triplicada em seu mínimo legal.

    O aparente conflito entre as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente e aquelas previstas na Lei dos Crimes Hediondos resolveu-se, não sem considerável controvérsia, pelo entendimento de revogação tácita dos parágrafos acrescidos aos artigos 213 e 214 do Código Penal, que acabaram sendo expressamente revogados pela Lei n. 9.281/96.

    Antes desta revogação expressa e em virtude da controvérsia vigente, foi editada a Lei nº 8.930/94, que deu nova redação ao artigo 1o da Lei nº 8.072/90, alterando a redação originária do artigo 1o, que passou a ter a seguinte redação, no que nos interessa:

    “Art. 1o. São considerados hediondos os seguintes crimes,

    todos tipificados no Dec.-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:

    ...

    VI – atentado violento ao pudor (art. 214 (3) e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único (4))”.

    Não houve alteração substancial no que tange à matéria sub judice.

    No presente caso, o paciente foi condenado pelo crime definido no artigo 214 combinado com o disposto no artigo 224, letra a, ambos do Código Penal, ou seja, na modalidade de violência presumida ou ficta em razão da menoridade da vítima. Ou seja, a condenação deu-se pela prática do crime de atentado violento ao pudor na forma simples (art. 214 do CP). Tal crime não poderia ser considerado hediondo, segundo sustenta o Impetrante, à medida que o inciso VI do artigo 1o da Lei nº 8.072/90 somente teria atribuído tal qualidade às formas qualificadas do atentado violento ao pudor, ou seja, àquelas descritas no artigo 223, parágrafo único, do Código Penal, o mesmo sucedendo com a causa de aumento de pena prevista no artigo da Lei nº 8.072/90.

    Esta questão já foi tema de aceso debate nesta Suprema Corte, merecendo análise o acórdão do Plenário nos autos do HC nº 81.288-1, relator para acórdão Min. CARLOS VELLOSO, julgado em 17.12.2001, que é tido como precedente decisivo na matéria.

    Nesse julgamento, vencidos os Ministros MAURÍCIO CORRÊA, SEPÚLVEDA PERTENCE, NÉRI DA SILVEIRA e MARCO AURÉLIO, decidiu-se que:

    “Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, tanto nas suas formas simples – Código Penal, arts. 213 e 214 – como nas qualificadas (Código Penal, art. 223, caput e parágrafo único), são crimes hediondos. Leis 8.072/90, redação da Lei 8.930/94, art. 1o, V e VI.” (HC 81.228, j. 17/12/2001, DJ 25.04.2003).

    A tese ao final vencedora contou com os votos dos Min. CARLOS VELLOSO, ELLEN GRACIE, ILMAR GALVÃO, NELSON JOBIM, SYDNEY SANCHES, CELSO DE MELLO e MOREIRA ALVES.

    A discussão centrou-se, basicamente, no valor semântico dado à conjunção e constante do inciso VI do artigo 1o da Lei nº 8.072/90: “atentado violento ao pudor (art. 214 sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único)”.

    Para a douta maioria, a conjunção e, coordenativa aditiva, daria a idéia de soma e, como tal, indicara que tanto o atentado violento ao pudor na forma simples quanto o qualificado por morte ou lesão corporal grave seriam considerados hediondos para os fins das disposições contidas na Lei nº 8.072/90.

    O entendimento seria reforçado pelo fato de que o disposto no artigo 6o da Lei nº 8.072/90 (que aumentou a pena originariamente prevista para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor na redação do Código Penal), aumentando as penas tanto das figuras simples quanto das qualificadas, estaria a predicar que a conjunção e, nos incisos V e VI do art. 1o, tem o sentido de soma, acréscimo (fls. 281-2).

    Por outro lado, quando o legislador quis considerar hediondos somente as figuras qualificadas de alguns delitos (v.g., extorsão, roubo, epidemia), fê-lo de forma clara. No caso do estupro e do atentado violento ao pudor, porém, a adjetivação de hediondo estendeu-se às duas formas: simples e qualificada (fls. 285 e 305). Além disso, excetuado o próprio homicídio, não haveria, no Código Penal, conduta mais agressiva e nefasta do que as acima referidas (fls. 285).

    Os votos vencidos professaram, todavia, que as normas incriminadoras se sujeitam a interpretação estrita, vedadas analogia e interpretação extensiva em prejuízo do acusado (fls. 267):

    “ainda que se desenvolva raciocínio adstrito à interpretação literal, exsurge que a conjunção e, contida na expressão ‘e sua combinação com’ estampada no inciso V do artigo 1o da Lei dos Crimes Hediondos, equivale e dizer ‘combinado com’. Não havendo combinação com a qualificadora que define a hediondez, o delito simples não pode ser considerado hediondo.” (Min. MAURÍCIO CORRÊA, fls.268)

    Isto porque:

    “não se mostra razoável, ante a axiologia jurídico-penal, que uma ação delitiva na figura simples, punível com reclusão de 6 a 10 anos, seja considerada como da mesma natureza hedionda atribuída à sua forma qualificada, também punível com reclusão que varia de 8 a 12 anos (quando resulta lesão corporal grave) e de 12 a 25 anos (quando resulta morte)” (Min. MAURÍCIO CORRÊA, fls. 269).

    Precedentes citados: HC nº 80.353, Min. MAURÍCIO CORRÊA, HC nº 80.479 e HC nº 80.223, rel. Min. NELSON JOBIM, HC nº 78.305-4, rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA.

    Como bem ponderou o Min. MAURÍCIO CORRÊA, em seu voto vencido:

    “De qualquer sorte, é regra básica de hermenêutica que a lei não contém palavras inúteis. Se a norma tencionasse qualificar como hedionda qualquer espécie de estupro, teria feito referência apenas e tão-somente ao tipo com a indicação isolada, entre parênteses, do dispositivo penal – estupro (art. 213) --, tornando-se absolutamente desnecessária a explicação que acompanha, na lei vigente, o nomen iuris -- estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, ‘caput’ e parágrafo único)” (fls.273, grifei).

    O Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, igualmente vencido, ponderou:

    “Não consigo entender, para incluir mais um delito nesse rol infeliz dos crimes hediondos, ser necessário fazer referência – ainda que com uma redação, confesso, infeliz – à forma qualificada de um delito, se a forma simples já merecesse o fogo do inferno dos crimes hediondos.” (323, grifei)

    O Min. MARCO AURÉLIO aduziu:

    “numa interpretação para mim teleológica e sistemática, que a Lei nº 8.072/90 somente enquadra como hediondo os crimes de estupro e o de atentado violento ao pudor quando cometidos com grave lesão ou seguidos de morte. Ao assim proceder, considerei a própria lei mencionada e, mais do que isso, a ordem natural das coisas, a impossibilidade de colocar, na mesma vala, o atentado violento ao pudor e o estupro – sem a grave lesão, sem a morte – e os crimes com essas qualificadoras. Não há como dar aos preceitos interpretação que leve à incoerência – o homicídio simples não é crime hediondo, mas o atentado violento ao pudor, sem as ocorrências citadas, o é” (fls. 338, grifei).

    DV, tenho que a interpretação acertada é a que reputa hediondo somente o atentado violento ao pudor – raciocínio que se estende ao crime de estupro – qualificado pelo resultado morte ou lesão corporal.

    A leitura do rol dos crimes considerados hediondos mostra-nos que o legislador reservou tratamento mais severo, na maior parte das hipóteses, às formas mais graves dos delitos que previu:

    a) crime de homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 1o, I);

    b) latrocínio, que é figura qualificada pelo resultado do crime de roubo (art. 157, § 3o, in fine, do CP) (art. 1o, II);

    c) extorsão qualificada pela morte (art. 1o, III);

    d) extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 1o, IV);

    e) epidemia com resultado morte (art. 1o, VII);

    f) falsificação, corrupção, adulteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 1o, VII-B).

    Quanto aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, guardou o nomen iuris do crime, abrindo, em seguida, parêntese para especificar, nos dois casos e após remissão aos respectivos artigos do Código Penal (arts. 213 e 214), “e sua combinação com o art. 223, parágrafo único.”

    Alberto Silva Franco, apoiando-se nos ensinamentos do Des. Geraldo Roberto de Souza, entende que as figuras simples, tanto do estupro como do atentado violento ao pudor, não foram considerados crimes hediondos pela Lei nº 8.072/90, verbis:

    “E sobram razões no sentido desse entendimento, conforme considerações feitas pelo Des. Geraldo Roberto de Souza, do Tribunal de Justiçado Estado de São Paulo, nesses termos:

    ‘(...)

    Já houve interpretação no sentido de que o tipo básico (estupro e atentado violento ao pudor) também deva ser considerado crime hediondo. Não é a melhor exegese. O legislador, nesse caso, deixou antes e fora dos parênteses só o nomen iuris (estupro, atentado violento ao pudor); abriu imediatamente o parêntese, significando que introduziu esclarecimento, explicação a esses termos, obviamente por não lhe bastar a citação pura e simples do nomen iuris do tipo penal. Aberto o parêntese, o legislador menciona os números dos artigos (213 e 214, respectivamente), mas não é só o que pretende explicar, pois acrescenta ´e sua combinação com o art. 223, ‘caput’ e parágrafo único’. A novidade é esta expressão grifada, que formalmente (e em virtude da conjunção aditiva e) parece somar aos arts. 213 e 214 as formas qualificadas do caput do art. 223 (resultado: lesão corporal grave) e do parágrafo único (resultado: morte). Mas na verdade a nova expressão é conceitualmente a mesma que combinado com, muito mais usada na linguagem jurídica, tanto na doutrina, como na jurisprudência e na lei. Não se trata, portanto, de coordenação entre substantivos, mas de verdadeira subordinação de categorias diversas. O fato mesmo de o legislador não ter aposto o termo caput ao número dos artigos 213 e 214, como fez antes no inciso IV com o art. 159 e agora faz com o art. 223; e de não ter acrescido ao nomen iuris a expressão e na forma qualificada, antes e fora do parêntese, como antes fez no inciso IV, denota que não está relacionando com o tipo básico (estupro e atentado violento ao pudor) as formas qualificadas do art. 223 e do seu parágrafo único, como se fossem figuras somadas, mas, ao contrário, está integrando a redação do tipo básico com as orações subordinadas que compõem o caput e o parágrafo único do art. 223, assim: ‘Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência, pena tal, se da violência ou do fato resulta respectivamente lesão corporal de natureza grave ou morte’. Em suma, aquele e sua combinação com, a saber, a combinação do teor do tipo básico com o teor de suas formas qualificadas, vale o mesmo que ‘extorsão qualificada’ (substantivo adjetivado), como se o legislador tivesse redigido ‘estupro combinado com’ ou ‘estupro qualificado’ (substantivo + adjetivo), figura una.

    Não importa que a redação original no art. 1o da Lei 8.072/90 tenha escrito caput em seguida ao art. 213. Já não escrevera em seguida ao art. 214. Sua aposição hoje seria até indevida, porque esses artigos estão sem incisos e sem parágrafo. É verdade que, à época da redação original do art. 1o da Lei 8.072/90, os arts. 213 e 214 apresentavam um parágrafo único, que foi revogado em 1996, mas o que conta é a redação atual e a interpretação de que o e depois dos arts. 213 e 214, na Lei dos Crimes Hediondos, não soma as formas qualificadas ao tipo básico, mas apenas participa de redação inovadora, que substitui a forma mais corrente e usual de ‘combinado com’ ou mesmo ‘qualificado’, por ‘e sua combinação com’.

    De outra parte, é indiferente que o art. 9o da Lei 8.072/90 tenha mantido o termo caput depois do art. 213. As considerações acima se sustêm, mesmo porque não teria cabimento que um dispositivo que apenas determina uma causa de aumento de pena (art. 9o) viesse modificar a classificação dos crimes hediondos estabelecida por artigo específico (o art. 1o), tão-só por inadvertência de sua redação que deveria ter sido igualmente alterada pela Lei 8.930/94, como foi o art. 1o da Lei 8.072/90.’

    Aliás, o Superior Tribunal de Justiça tem interpretado, de forma quase pacífica, que o art. 9o da Lei 8.072/90 só é aplicável em relação ao estupro qualificado pelo resultado e não ao estupro simples, o que significa que aquele é hediondo e este não exibe esse rótulo (...).”(5)

    O que me reforça o convencimento e, desde o princípio, me relevou a atenção, foi a combinação de duas circunstâncias. A primeira, a imperatividade da interpretação restrita de normas que reduzam a amplitude de direitos fundamentais, in casu a liberdade individual, sobretudo daquelas que instituem o mais rigoroso regime jurídico-penal vigente no país, as da Lei nº 8.072/90. A segunda, o fato mesmo de a discussão acerca de ser ou não o atentado violento ao pudor hediondo gerar tantos debates, decisões frontalmente opostas e, ainda que vencedora, na época, uma das correntes dentro desta Corte Constitucional, não o foi com base na unanimidade. O acórdão proferido no autos do HC nº 81.288, acima analisado, desenvolveu-se por longas setenta e sete páginas.

    4.De todo modo, a questão não se resume ao disposto no inciso VI, do artigo 1o, da Lei n. 8.072/90, mas alcança, ainda, a questão da aplicabilidade da causa de aumento da penas prevista no artigo 9º da mesma lei, ao crime de atentado violento ao pudor.

    Dispõe a norma:

    Art. 9o. As penas fixadas no artigo 6o para os crimes capitulados nos artigos ... 214 e sua combinação com o artigo 223, parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 (6) também do Código Penal.

    Tal causa de aumento da pena, pelas mesmas razões, aplica-se tão-somente ao crime de atentado violento ao pudor qualificado pelo resultado (morte ou lesões corporais graves), ou, o que é dizer o mesmo, somente quando seja praticado o crime descrito no artigo 214, combinado com o artigo 223, parágrafo único, todos do Código Penal.

    5.Sustenta o impetrante, ainda, a inconstitucionalidade do artigo 2o, § 1o, da Lei nº 8.072/90, (7) que veda a progressão de regime, sem prejuízo da alternativa de que o dispositivo teria sido revogado pela Lei nº9.45555/97.

    O texto é o seguinte:

    “Art. 2o. Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

    I – anistia, graça e indulto;

    II – fiança e liberdade pr...

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