Constituição estabelece competência territorial no crime de lavagem de dinheiro
Passados 16 anos desde a edição da Lei 9.613/98, é inegável a constatação de um significativo avanço nas discussões da doutrina e jurisprudência pátrias a respeito do tema.
No entanto, por se tratar de assunto ainda recente, há uma série de pontos ainda pouco explorados e que requerem um estudo mais aprofundado. Esses temas são revelados a partir das dificuldades que aparecem em nossa própria casuística.
Assim, já há alguns anos se discute questões relativas à competência no crime de lavagem de dinheiro. As atenções voltam-se, por exemplo, para os problemas relativos à criação de varas especializadas — tema que, apesar da consolidada posição dos tribunais superiores, ainda está longe de ter se esgotado — e para as dificuldades inerentes à própria definição da competência, levando em consideração, entre outros aspectos, a conexão com o crime antecedente[1].
Pretendemos aqui, chamar a atenção para outro problema: a consumação do crime de lavagem de dinheiro em suas diferentes modalidades típicas e a incidência das regras processuais para fixação da competência territorial, à luz da regra geral prevista no artigo 70 do Código de Processo Penal.
O artigo 1º da Lei 9.613/98 prevê três modalidades típicas diversas, as quais se encontram descritas no caput e nos parágrafos 1º e 2º:
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
§ 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
I - os converte em ativos lícitos;
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
Interessante observar que, se por um lado, a Lei 9.613/98 se utilizou da técnica de criar mais de um tipo penal para criminalizar a lavagem de dinheiro, por outro, ela não buscou organizar as condutas de maneira a compreender as três etapas do processo de reciclagem, usualmente indicadas pelos organismos internacionais e, de modo geral, pela doutrina[2].
Na verdade, de acordo com Isidoro Blanco Cordero, essas três fases — ocultação, dissimulação e integração — podem suceder conjunta ou separadamente e não raro se sobrepõem[3].
Veja-se, por exemplo, que o caput do artigo 1º da Lei 9.613/98 tipifica a ocultação e a dissimulação dos bens ou valores provenientes direta ou indiretamente de infrações penais antecedentes. Já o parágrafo 1º especifica condutas caracterizadoras dessas mesmas ocultação e dissimulação.
O mesmo não ocorre com o parágrafo segundo. Esse dispositivo prescreve as condutas daquele que se utiliza do dinheiro já na atividade econômica ou financeira (inciso I), conduta essa correspondente à fase de integração, bem como daquele que integra grupo, associação ou escritório voltado para a prática da lavagem de dinheiro (inciso II), uma espécie de associação para lavagem.
De todo modo, cada uma das modalidades delineadas no artigo 1º da Lei 9.613/98 consiste em um tipo de conteúdo variado ou de ação múltipla, pois conta com vários núcleos.
Assim, levando em consideração a estrutura normativa desenhada na Lei de Lavagem, uma vez caracterizada a ocultação ou a dissimulação do produto da infração antecedente, o crime de lavagem de dinheiro já estará consumado. Não se faz necessário, pois, que o agente promova, futuramente, a integração dos bens, valores, direitos etc. na economia.
Nesse caso, se o mesmo agente praticar duas ou mais condutas no curso de um mesmo ciclo de lavagem, não haverá concurso de crimes, mas, sim, crime único.
Portanto, se o agente oculta a origem ilícita dos valores fazendo, por exemplo, pequenos depósitos a partir de diversas contas, é forçoso concluir que o crime se consumou, pois os elementos do tipo penal estarão integralmente preenchidos, nos termos do artigo 14, I, do CP [4].
Se o mesmo agente participa de uma nova etapa do processo de lavagem, estaremos diante de um pós-fato impunível. A imputação de concurso de crimes, em qualquer das suas modalidades, caracterizaria, nesses termos, bis in idem, dupla incriminação do mesmo fato.
Com efeito, a criminalização da lavagem de dinheiro em três tipos penais tem por função facilitar a apuração de condutas dos agentes que praticaram apenas um ato ou participaram de apenas uma das etapas da lavagem de dinheiro. No entanto, deve-se sempre ter em mente que os três tipos penais dizem respeito a uma mesma lavagem de dinheiro.
Outro aspecto importante é a classificação dos tipos penais como delitos de mera atividade ou de resultado e delitos instantâneos ou permanentes.
O problema certamente não é simples e variadas são as soluções propostas no âmbito da doutrina penal. No entanto, a posição majoritária inclina-...
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