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25 de Abril de 2024
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    Só hipossuficientes podem ser assistidos pela Defensoria Pública

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 9 anos

    Esta é a pergunta que está colocada na mente das centenas de milhares de advogados e do restante da população. Simples assim. A polêmica já se instalara por ocasião da Ação Penal 470. Volta agora na operação "lava jato", em que um diretor de empresa, casualmente também advogado, vem sendo defendido por membro da Defensoria Pública.

    Aqui na ConJur (ler aqui) o pau comeu de ambos os lados na matéria que tratou disso. Foram quase 50 comentários. A maioria criticando o fato da Defensoria — que deve defender necessitados —, estar dispendendo recursos públicos caros (salário, material de infra-estrutura, telefonemas e quiçá diárias etc) para defender alguém que, ao que consta (e o ônus de demonstrar isso não é meu!), não provou ser hipossuficiente. Como ironizou o leitor-comentarista de codinome Preocupante (Delegado de Polícia Estadual),

    “esse cara deve ser um pobrezinho (...); qualquer cidadão ou cidadã entenda que, em tese, uma pessoa que trabalha na gestão de uma empresa do porte da que ele trabalhou perceba mensalmente uma renda razoável. Ademais sendo essa empresa apontada como uma verdadeira lavanderia de milhões de dólares”.

    Como se vê, o que os leitores críticos questionam — e, ao meu ver, corretamente — é o fato de que alguém possa ser defendido por defensor público pago pelo povo sem comprovar efetiva hipossuficiência. Em favor da Defensoria alega-se que a) a sua Lei orgânica combinada com o CPP lhe dá essa prerrogativa. Dizem que, na medida em que ninguém pode ser julgado sem advogado, a consequência lógica é que deve ser defendido por um Defensor Público (como verão no final da Coluna, esqueceram de ler o artigo 263 e seu parágrafo único, do CPP); b) logo, onde está escrito “necessitados” (ou hipossuficientes), deve-se ler hipossuficientes jurídicos (sic).

    Sei ler e por isso não quero discutir o óbvio: ninguém pode ser julgado sem defensor. Mas daí vem a pergunta: disso se deflui que, mesmo com recursos, deverá ser defendido por um Defensor pago pela malta? É isso que as dezenas de leitores questionam. E, por certo, seria a pergunta que a população faria.

    Quando nos defrontamos com um problema de interpretação da Constituição e das leis, não podemos chegar a um impasse ou uma aporia (dilema sem saída). Explico. Se a DP tem razão em sua tese de que ela pode defender o réu na "lava jato" porque a sua Lei orgânica e o CPP assim determinam e se dermos razão a ela, chegaremos a seguinte conclusão lógica:

    a) basta que alguém diga que não tem advogado ou que não quer constituir (nem falo se tem ou não recursos) que isso já é motivo para a atuação da DP;

    b) consequentemente, qualquer pessoa pode ser defendida pela DP, inclusive o Eike Baptista, eu mesmo ou o estimado Marcos Alves Pintar (ou o José Dirceu ou o Marcos Valério);

    c) o critério constitucional da hipossuficiência, segundo a tese da DP, cai por terra diante do simples desejo de qualquer pessoa de não gastar com advogado, porque a Viúva terá de lhe dar um – porque, afinal, ninguém pode ser julgado sem defensor. Bingo. Não há outra hipótese.

    Repetindo: se a tese da DP é correta, as consequências são exatamente as que acima coloquei. Só que isso, convenhamos, não tem sentido. Tem-se, assim, de um lado, o direito de não ser julgado sem advogado e, de outro, a aporia exsurgente do fato de que, levada ao pé da letra a tese, não há qualquer limitação para a atuação da DP, bastando a simples menção de não querer constituir causídico.

    Há juízes em Berlin? Sim. E eu digo: ainda há advocacia privada em Pindorama
    Qual é a solução acerca do que foi dito acima? Simples. Não tratar a coisa de forma corporativa e, sim, republicana. Pindorama ainda não é socialista. Ainda existem advogados privados em Pindorama. Poderá até chegar o dia em que todos terão defesa pública e gratuita, ricos e pobres (considerando-se que ainda existirão pobres...). Mas, atenção: enquanto esse dia não chega, quem sabe prestigiemos a livre iniciativa e o advogado que paga a sua OAB e se esfalfela atrás de clientes? Alguém dirá: Lenio Streck é reacionário (e outros adjetivos) e escreve isso porque é contra a Defensoria (como se fazer críticas fosse uma coisa tão maniqueísta, mormente quando o mesmo L. Streck sempre defendeu a implementação da Defensoria, inclusive propondo inconstitucionalidade por omissão). Mas, vamos pular essa parte.

    A questão é, de novo, simples: primeiro, a CF não foi revogada e nem reescrita no ponto de que somente tem direito à assistência (vejam, assistência jurídica) da DP o hipossuficiente. Claro como água-que-nãoado-Tietê. Segundo, continua valendo a premissa humanitário-garantista de que ninguém pode ser julgado sem defensor, só que isso não é que nem (n) o SUS, isto é, não é um direito de cunho prestacional. Terceiro, quando ocorrer de um magano e/ou alguém NHPS (não hipossuficiente) não constituir advogado, o juiz lhe nomeará um advogado dativo (da advocacia privada que ainda existe em Pindorama), cuja figura jurídica (dativa) não foi revogada, porque se trata de coisas diferentes (há o defensor pago, o dativo e o público). Esse advogado dativo será remunerado por arbitramento de honorários (artigo 263, parágrafo único do CPP) que o juiz fará (comecei defendendo acusados assim; como dativo e recebendo dos não-pobres-que-não-contratavam-advogado, um farelinho para colocar gasolina no meu Maverick). O que não pode ocorrer é que, sob pretexto de cumprir a Constituição, descumpri-la. A CF (ainda) é claríssima: só tem direito a assistência judiciária gratuita o hipossuficiente. Enquanto não se reescrever a Carta Magna e enquanto água é água e pau é pau e não podermos dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa, temos o ônus dos limites semânticos da CF.

    Não, não nos preocupemos. Não vamos descumprir acordos internacionais (Pacto de San José, etc) e nem a CF. O acusado não ficará sem advogado. Mas e...

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