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23 de Abril de 2024

Os simpósios shows e o porquê devemos mudar o modelo de congressos

Publicado por Consultor Jurídico
há 9 anos

Publicado em Conjur

Simpósios em vez de solilóquios Depois de participarmos de tantas palestras e simpósios, pensamos que devemos repensar aquilo que consideramos um modelo ultrapassado de congresso (seja o nome que se dê — simpósio, jornada etc.). O mais comum é a juntada de vários palestrantes, que, em tese, farão discursos sobre um tema genérico, normalmente em que “cabe tudo e todo tipo de palestrante”. Na verdade, são solilóquios. O problema é que só o palestrante fala, sem contestação, sem perguntas, sem debate, enfim, um monólogo.

Por que estamos escrevendo isso? Porque nos acostumamos com algo e já não nos damos conta das falhas ou da necessidade de alterarmos o estado da arte do fenômeno. Observamos os congressos em diversas áreas, aqui e no exterior. Na área de filosofia, por exemplo, cada palestrante expõe seu texto (que é elaborado especialmente para aquela ocasião) e depois sempre é aberto espaço para perguntas. E os palestrantes não fazem como os juristas brasileiros, que falam e vão embora. Os filósofos — e o mesmo se aplica às demais áreas das ciências humanas e sociais — têm o hábito de intervir constantemente.

Assim, temos, de um lado, os congressos de Direito, sem debates. Solilóquios. De outro, no estrangeiro e na filosofia, colóquios. Está aí, na própria palavra, a diferença. Pensamos que devemos alterar esse quadro. Esse modelo “pastor e ovelhas” está esgotado. Duas a três mil pessoas escutando o sujeito dizer qualquer coisa e ninguém pode contestar. Nem os demais palestrantes que, por vezes “obrigados” a assistir na primeira fila (estão esperando a sua vez), podem dizer algo ou fazer perguntas.

Há também pouca preocupação com o aspecto didático-pedagógico nos solilóquios de terrae brasilis. Reúnem-se professores das mais diversas estirpes e concepções sobre o direito. Em tese, isso parece ser bom, mas, o que tem a ver, por exemplo, professores que querem aprofundar os temas com professores que vão para dar espetáculo tipo-pastor-pentecostal, com discursos tão profundos quanto os calcanhares de uma formiga anã? Um palestrante fala sobre o problema da conceituação teórica dos princípios, os cuidados que se deve ter com os efeitos colaterais do ab-uso principiológico... Logo em seguida, vem outro palestrante, falando algo como “princípios são valores” e um monte de blás, blás, blás repletos de raciocínios raso-pequeno-epistêmicos. E a plateia vai ao delírio. A concorrência com os conferencistas que querem aprofundar os assuntos é desleal...

E o que dizer quando aparece o jovem pentecostal com o kit (neo) carreira jurídica (terno Hugo Boss e chave de seu carro Audi A4 sobre a bancada), trazendo exemplos da sogra, da zona do meretrício ou de algo correlato para explicar o conceito de um determinado artigo do Código Penal?

Vale lembrar de um enorme solilóquio em que o palestrante caminhava em cima do palco feito o missionário Valdomiro Santiago da Igreja Pentecostal Mundial (não confundir com a Internacional do R. R. Soares ou com a Universal do Edir Macedo, embora essa diferenciação não tenha nenhuma importância para esta coluna), falando sobre o divórcio. Um dos signatários desta coluna ficou muito impressionado com a performance do conferencista. Pensava: como é possível fazer tanta reflexão sobre esse tema? Como é possível juntar tanta dogmática jurídica sobre um tema durante cinquenta minutos? E tudo recheado com anedotas sobre parentes, ex-namoradas, namoradas do primo, mulher do padre etc. A plateia adorou. Quando chegou a vez do signatário falar, disse ao público: “— Fiquei tão encantado com o tema “divórcio” que, agorinha mesmo liguei para dona Rosane, minha mulher, e lhe disse: “Descobri minha vocação: vou me divorciar! O divórcio deve ser uma coisa maravilhosa. Como é possível que até hoje não tenhamos nos divorciado?”. Muitos não entenderam a piada, sequer entendem o grau de ironia sobre o alcance da própria ironia...

Assim como necessitamos mudar o ensino jurídico e a bibliografia usada nas salas de aula (cujos efeitos deletérios se podem notar nas práticas jurídicas cotidianas), também devemos mudar a form (ul) a de nossos Congressos, já que há milhares sendo realizados em todos os anos do norte ao sul do Brasil. A principal alteração deve ser no tocante à institucionalização dos espaços para questionamentos dos participantes. Claro que isso implica a diminuição do número de palestrantes. Mas, ca para nós, não dá mais para aguentar essa overdose de conferências.

Atualmente, os congressos se fragmentaram tematicamente. Se o tema é “Direitos Humanos e Democracia”, cabe tudo. E lá vem o palestrante para falar sobre “direitos humanos e consumidor”. E haja anedota sobre a compra de artigos no sex-shop. Claro. Cabe tudo. Pensamos que as temáticas devem ser mais específicas. Não dá para abraçar o mundo em um Congresso. O proveito de cada participante diminui na medida em que aumenta o número de conferências. E vamos parar de dar uma canseira nos partícipes, “tipo” início 8h30min (na verdade, ninguém vai; só inicia às 9h15min); e não marcar na programação uma sequência de eventos sem aguardar o tempo sequer de desfazimento das mesas. Por vezes, há mais gente do lado de fora dos congressos que assistindo ao palestrante.

Outra coisa: não misturar alhos com bugalhos. Ou pelo menos fazer uma distribuição de tribos nos painéis. Não dá para colocar no mesmo espaço um jurista do porte do Tércio Ferraz Jr. E o jovem professor de cursinho que está-lá-para-vender-seu-novo-livro-direito-penal-mastigado-ou-algo-similar. Por vezes, fica constrangedor ver o palestrante fazendo discursos sobre a “ponderação” (este é só um exemplo), fazendo gestos como se “pegasse” um princípio para sopesar com outro e, na mesma mesa, um professor crítico desse tipo de vulgata da teoria jurídica. Vejam: se ele fizer cara feia (falo do professor crítico-que-está-obrigadoaver-aquilo), passa por mal-educado; se depois falar contra isso, por certo vai sacrificar parte de sua palestra. De todo modo, como dissemos, congressos não devem fazer esse tipo de (con) fusões. A menos, é claro, que ponham dois ou três palestrantes que tenham posições diferentes sobre um determinado tema e isso gere um bom debate. Mas, insistimos: devemos pensar seriamente em institucionalizar os debates entre a plateia e o palestrante e, da mesma forma, entre os próprios palestrantes. Sacrifica-se no número de palestrantes, mas se ganha na qualidade do colóquio, que deixa de ser solilóquio.

Outra dica, agora dirigida a quem vai ao congresso: procure se informar sobre os palestrantes, se ainda não os conhece. Um congresso é como uma peça de teatro. Procure ler algo sobre os palestrantes. Como pensam, sobre o que escrevem... Falem com os colegas. Peçam informações. E, quando o palestrante está expondo, fiquem atentos. Desliguem o celular. Usem a internet apenas para, rapidamente, ver no Google o que o palestrante quis dizer com “temos de combater o solipsismo” ou “quem foi Oskar von Büllow”. Mas, de certo modo, se você se informou sobre o palestrante, já deveria saber sobre as palavras chaves de seu pensamento. Conferencistas de verdade são como os artistas de teatro. E conferências são como grandes aulas. Ou deveriam ser. Não devem ser simplificadas. Quem quer simplificar subestima a plateia, mesmo que, de fato, parte dela não vá entender um ovo do que está sendo exposto. Nivelar sempre por cima: isso demonstra respeito para com o estudante e o profissional presentes.

Se os livros cada vez mais vêm sendo escritos “no-modo-facilitadinho-mastigadinho-resumidinho”, isso não quer dizer que uma palestra em um colóquio (e não solilóquio) tenha de seguir esse mesmo padrão-calcanhar-de-formiga-anã. O Direito é um fenômeno complexo, repetimos pela milésima vez. Sempre que o simplificarmos, estaremos dando um tiro no pé.

Certa vez Einstein foi expor sua teoria da relatividade para um grande público e, ao terminar, ninguém havia entendido. Então, uma senhora levantou a mão e disse: “Professor, não entendi nada. O Senhor pode ser um pouco mais simples?” E Einstein expôs de forma mais simples. E a mulher continuou a não entender. Pela terceira vez, Einstein simplificou a simplificação. E a senhora disse, aliviada: “Obrigada, finalmente entendi”. Ao que Einstein respondeu: “ Pois é. Só que isso que contei agora já não é a minha teoria”.

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12 Comentários

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Até que enfim mesmo!
Venho "estranhando" essa prática desde a mais tenra iniciação acadêmica aos meus estudos de direito e quase na totalidade das vezes era vista (de forma perplexa pelo receptor da mensagem) como alguém que estivesse praticando o absurdo de combater a coisa mais louvável do mundo.
Haverá atitude mais "estranha" do que presenciar juristas, articulistas, Ministros de tribunais superiores sendo ovacionados (por vezes com histeria pelos seus "fãs"), aplaudidos, disputados para aparecerem em fotos e distribuição de seus "autógrafos"?
Sinceramente, um parabéns estrelado pelo artigo. continuar lendo

Excelente, até que enfim, alguém gritou ! continuar lendo

Achei excelente as colocações. Na maioria das palestras tem palestrante que "acha" que "já é o cara" e fala-fala, mas ao final não nada diz e sai apressado. São palestrantes e professores ninja, porque ao mesmo tempo faz palestras pelo undo, dá aula na Argentina, em Brasilia, São Paulo e ainda faz doutorado em Portugal. continuar lendo

Parabéns. Suas observações sobre a vacuidade da maioria do solilóquios aplica-se bem à minha categoria profissional (o Branding) e com certeza deve aplicar-se a muitas outras. Seria ótimo se os organizadores de eventos de tal tipo refletissem sobre suas recomendações.
Marco Rezende continuar lendo