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20 de Abril de 2024
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    Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade (Parte 2)

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 9 anos

    Conforme esclarecemos na primeira parte de nossas reflexões, o Estatuto da Pessoa com Deficiência produz mudanças sensíveis na compreensão do direito civil. Prosseguimos a análise de suas consequências.

    Incapacidade relativa daquele que não pode exprimir sua vontade
    A segunda alteração é a seguinte “os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”, atualmente absolutamente incapazes, passam para a categoria de relativamente incapazes (redação dada pelo Estatuto ao artigo , III, do CC).

    Aliás a nova redação do dispositivo é a seguinte:

    III- aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.

    A alteração tem por consequência que, com a vigência do Estatuto, aquele que não puder exprimir sua vontade passa a ser assistido, ou seja, participa do ato juntamente com seu representante legal.

    Pergunto: se uma pessoa estiver em coma induzido por questões médicas e, portanto, temporariamente sem discernimento algum, como pode ela realizar o ato com a assistência ou auxílio? A interdição que, por fim, declarar a pessoa relativamente incapaz será inútil em termos fáticos, pois o incapaz não poderá participar dos atos da vida civil.

    O equívoco do Estatuto, neste tema, é evidente.

    A mudança legislativa é extremamente prejudicial àquele que necessita de representação e não de assistência e acarreta danos graves àquele que o Estatuto deveria proteger.

    Casamento válido
    A terceira consequência para o Direito Civil diz respeito ao Direito de Família.

    O Estatuto revoga o inciso I do artigo 1.548 do Código Civil que prevê ser nulo o casamento do “enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil”. Para fins de casamento, portanto, há um avanço. Não podem os deficientes serem alijados da formação de família por meio do casamento ou mesmo união estável.

    Aliás, o Estatuto traz regra expressa quanto ao direito de família nos incisos do artigo 6º:

    A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

    I - casar-se e constituir união estável;
    II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
    III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
    IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
    V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
    VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

    Nesta questão o Estatuto merece elogios. A conclusão de Flavio Tartuce é que o dispositivo gera, no plano familiar, uma expressa inclusão plena das pessoas com deficiência[1]. Não é toda a deficiência que retira o discernimento para a tomada de decisão de constituição de família e de sua formação. Contudo, há de se salientar, que mesmo com a mudança legal, a decisão de se casar é um ato de vontade. Se a vontade não existir em razão da deficiência, inexistente será o casamento.

    Mesmo assim a questão não é simples. Se a vontade existir, mas for turbada, maculada pela deficiência, o casamento será válido, pois desaparece a enfermidade como causa de nulidade.[2]

    Contudo, o Estatuto não altera a redação do artigo 1550 do Código Civil que trata da anulabilidade do casamento e que em seu inciso IV prevê:

    “Artigo 1.550. É anulável o casamento:

    IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento”;

    Isso significa que o casamento do deficiente que for incapaz de consentir ou manifestar de modo inequívoco o consentimento pode ser anulável, mas não nulo. O Estatuto acrescenta um parágrafo segundo ao dispositivo:

    Parágrafo 2º A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador.

    O adjetivo “núbia” denota o total desconhecimento da língua portuguesa. Núbia é a região da África que historicamente teve conflitos com o Egito e hoje é parte dele.

    O termo correto é “idade núbil”, ou seja, referente às núpcias. Novamente temos um problema na redação do parágrafo segundo acima transcrito: segundo o artigo 85 do Estatuto o curador do deficiente só atuará nos atos de natureza patrimonial e negocial, mas o parágrafo segundo que receberá o artigo 1550 do CC prevê que vontade de casar pode ser expressa pelo curador. Clara a contradição entre os dispositivos. A vontade é elemento essencial ao casamento e ninguém se casa senão por vontade própria. Admitir a vontade do curador como elemento suficiente para o casamento do deficiente é algo ilógico e contraria a pessoalidade do casamento, além de permitir fraudes perpetradas pelo casamento decorrente apenas da vontade do curador. O dispositivo deve ser interpretado restritivamente de acordo com a natureza pe...





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