Parecer de 1903 sobre federalismo fiscal brasileiro
A competência para a fixação de impostos sobre exportação de mercadorias de produção própria era dos Estados da Federação, nos termos do disposto no artigo 9º da Constituição de 1891. Ainda, isentava-se de impostos, nos estados por onde se exportasse, a produção de outros estados, ainda também no disposto no artigo 9º de nossa primeira constituição republicana. Caso de imunidade, não obstante a utilização do verbo isentar, na técnica tributária contemporânea.
Ainda que não haja dados empíricos para confirmação da assertiva que segue, quer-se acreditar que a competência estadual para a cobrança de impostos de importação era dos estados, por pressão dos estados produtores de café, a exemplo de São Paulo e de Minas Gerais.
É nesse contexto de um federalismo vertical incipiente que se levantou questão referente ao poder dos estados de cobrar impostos de exportação em relação a negócios entabulados em áreas federais, embora localizadas dentro dos limites estaduais. É que havia várias áreas da União dentro dos limites dos estados, sob várias formulações jurídicas, a exemplo de terras devolutas, terrenos de marinha, terrenos ribeirinhos, acrescidos.
No caso concreto que se apresenta, o ministro da Guerra consultou ao ministro da Fazenda, a propósito do direito dos estados tributarem a exportação nos territórios da União existentes no contexto dos limites dos estados.
Bem entendido, não se tratava de tributação estadual em territórios federais. É que nesses últimos os tributos estaduais eram de competência da União, solução mantida presentemente na Constituição de 1988.
Discutia-se o poder dos estados de decretar impostos de importação em relação a produtos exportados em área de jurisdição federal, porém localizadas nos limites estaduais. Registre-se que a linguagem constitucional da época utilizava o verbo decretar para identificar o poder de instituição de tributos.
No pano de fundo da discussão tinha-se um veto presidencial lançado a Resolução do Congresso Nacional, que pretendia ampliar o conteúdo compreensivo de terras devolutas.
Discutia-se se os estados exerceriam alguma forma de jurisdição em relação às populações civis que vivessem nos limites de terras pertencentes à União, ainda que localizadas no perímetro dos estados.
O Consultor-Geral comparou o federalismo brasileiro com o federalismo norte-americano, especialmente para evidenciar as diferenças que há entre os dois modelos. Nos Estados Unidos os territórios foram adquiridos ou ocupados após a independência, isto é, a partir de 1776. No Brasil, os territórios já se encontravam dentro dos limites de 1822; vale dizer, antecediam a independência.
Entendeu-se que subtrair do estado o poder de tributar a exportação ocorrida em área de domínio federal seria o equivalente à concessão de privilégio em favor de quem negociasse nessas áreas, sem que se tivesse previsão constitucional para tanto.
No entendimento da Consultoria-Geral da República, em parecer substancial, era claro o fato de que os estados exerciam jurisdição fiscal em relação a áreas da União que se localizassem nos limites estaduais.
Não se tinha questão de imunidade ou de isenção. Ocorrido o fator gerador do imposto de exportação aos estados eram devidos os valores, ainda que os negócios se desdobrassem em áreas de propriedade da União.
O parecer que segue plasma verdadeiro caso fundador dos contornos do federalismo fiscal brasileiro:
Gabinete do Consultor-Geral da República. – Rio de Janeiro, 20 de junho de 1903.
Sr. Ministro da Fazenda. – Com o parecer incluso, da presente data, restituo-vos os papéis que acompanharam o vosso Aviso n. 73, de 6 do corrente, relativos à consulta feita pelo Ministério da Guerra em Aviso n. 51, de 22 de janeiro último, sobre o direito que têm os Estados de cobrar impostos de exportação nos territórios existentes nos mesmos Estados e pertencentes à União. Saúde e fraternidade. – T. A. Araripe Junior.
Ao Ministério da Guerra parece matéria controversa o direito que têm os Estados de cobrar impostos de exportação nos territórios existentes, nos mesmos Estados e pertencentes à União (Aviso n. 51, de 22 de janeiro último). Provém a dúvida das razões do veto presidencial, de 21 de julho de 1896, oposto à Resolução do Congresso Nacional regulamentando o art. 64 da Constituição da República.
Nos termos do aludido veto, vê-se que o seu autor muito juridicamente considerou inconstitucional o disposto na segunda parte do art. 1º daquela Resolução, que declarava compreendidos na expressão – terras devolutas – os terrenos de marinhas, os ribeirinhos e os acrescidos; outro tanto, porém, não sucede com as razões de não sanção concernentes ao art. 2º, quanto à inteligência do art. 34, ns. 29 e 31 da Constituição.
São estes os termos do citado art. 2º da resolução vetada:
“Ficam desde já reservados para a União, de conformidade com o mesmo artigo (art. 64), todas as terras devolutas situadas nas linhas de fronteira do país, em uma faixa de 66 quilômetros, devendo o Governo mandar oportunamente medir e discriminar as respectivas áreas, onde serão estabelecidas colônias militares. Parágrafo único. As produções da zona, definida neste artigo, continuam a ser taxadas pelos respectivos Estados, aos quais é garantido em toda sua plenitude o direito de explorá-las”.
Transcreverei textualmente a parte do veto que lhes é referente:
“O art. 2º da Resolução do Congresso, reconhece incompletamente o direito vigente, isto é, o art. 64 d...
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