Só quem nunca sofreu racismo na vida que pensa que isso é mera injúria
A minha posição, no sentido de que a injúria racial é racismo (“prática do racismo, na redação da Constituição), como qualquer outro tipo penal descrito na Lei 7.716/89, é antiga, exposta, pela primeira vez, quando foi criado o tipo penal da referida injúria racial (artigo 140, parágrafo 3º, Código Penal) nas minhas obras Código Penal comentado e Manual de Direito Penal.
Hoje, acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça no caso de repercussão nacional em que Paulo Henrique Amorim injuriou Heraldo Pereira, tornou-se objeto de artigos e comentários de juristas e professores de Direito Penal.
Segundo me parece, pelos comentários publicados, a maioria nem leu o que eu escrevi na nota ao artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal. E muito menos leu o que escrevi e como defini o racismo nos meus comentários à Lei 7.716/89 no meu livro Leis Penais e Processuais Penais comentadas. Tem-se tornado habitual, infelizmente, no Brasil, a crítica por “ouvir dizer”. Arrisco dizer que 99% dos que comentaram a decisão respeitável do STJ, que envolveu vários ministros em decisão unânime, limitaram-se a ler o acórdão (se muito). Mas não os meus escritos. Então, começaram a surgir as incongruências e o elevado grau de achismo, algo inaceitável no campo científico.
Fiz uma associação de ideias e conceitos, inclusive valendo-me, para tanto, de acórdão do STF, no famoso caso Ellwanger. Ninguém leu esse acórdão pelo jeito, pois o Pretório Excelso não utilizou analogia, nem interpretação extensiva, mas deu novo conceito ao racismo. Eis o ponto.
A ânsia de comentar, rapidamente, de alguns juristas e professores, em particular os de cursinho, fez nascer certos equívocos.
Jamais usei a analogia para justificar que injúria racial é racismo. Jamais usei a interpretação extensiva para tanto. É uma pena que muitos não tomaram conhecimento da tese, mas se habilitaram a criticá-la.
Em primeiro lugar, aliás, gostaria de deixar bem claro que aceito, sim, a interpretação extensiva em Direito Penal, mesmo que, em alguns casos, prejudique os interesses do réu. E os tribunais brasileiros fazem o mesmo. Portanto, os que saíram pela porta da “lesão à legalidade por utilização da interpretação extensiva” estão desatualizados da jurisprudência brasileira.
Eu pesquiso muito e conheço várias posições de tribunais pátrios, inclusive os tribunais superiores, valendo-se de interpretação extensiva. Um dos casos que termina em condenação, por meio da interpretação extensiva, é o da duplicata simulada (artigo 172, Código Penal). O tipo penal menciona a venda, com emissão da duplicata, em desacordo com o negócio realizado. Porém, há inúmeras situações em que o comerciante emite a duplicata sem nenhuma venda efetivada. A duplicata é mais que fria, mas congelada. Eis a interpretação extensiva: onde se lê em desacordo com a venda realizada, leia-se, também, ampliando o sentido original, ou se nenhuma venda se efetivou. Por óbvio, torna-se muito mais prejudicial a emissão de duplicata sem lastro em venda alguma do que aquela que se fundamenta em venda, porém em desacordo com a realidade.
Se alguns não toleram esse entendimento, contrários que são à interpretação extensiva, trata-se de posição pessoal, mas dissonante da jurisprudência pátria. Ainda assim, precisariam checar, detidamente, que não a utilizei para defender a injúria racial como prática de racismo.
Quanto à analogia (in malam partem), com a devida vênia, ingressa-se na esfera do abuso de crítica. Abuso porque – se e somente se – antes de criticar, caso alguns lessem o que escrevo, saberiam que sou contrário à referida integração da norma pela via maléfica, ou seja, contra os interesses do réu. Portanto, os que dizem que utilizei a analogia in malam partem o fizeram gratuitamente, sem conhecimento de causa.
Sob outro aspecto, alguns juristas, para justificar a sua crítica ignorante (no sentido literal do termo: falta de conhecimento) chegam a interpretar o seguinte: se a injúria racial não está na Lei 7.716/89, que define crimes de racismo, então, jamais pode ser racismo, pois o rol dessa lei é taxativo. Fico estupefato com o uso da interpretação literal e bastante positivista. Um desmedido apego à legislação, sem nenhum avanço na avaliação sistemát...
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