Uma análise dos efeitos que podem decorrer do ato de indiciamento
No artigo anterior, tratamos do tema dos elementos do ato de indiciamento e de seu dever de fundamentação. Agora, buscaremos tratar dos efeitos desse ato tão importante nas atividades de polícia judiciária.
Conforme já afirmamos naquela oportunidade, o ato de indiciamento é o ato do delegado de polícia, enquanto presidente da investigação, via de regra praticado ao término da mesma, ao considerar concluída a fase de coleta de elementos probatórios do delito investigado, quando é possível concluir-se pela autoria de determinado crime, individualizando-se o autor. Funciona como uma das etapas da formação da culpa na persecução penal, quando os elementos constantes no inquérito policial permitem ao delegado de polícia formar sua convicção de autoria e materialidade na investigação criminal.
Embora não seja disciplinado no Código de Processo Penal ou em legislação esparsa, é mencionado, em diversas passagens, como por exemplo, nos artigos 6º, V, VIII e IX, 14, 21, 23, entre outros. Tal fato levou alguns doutrinadores a negar a utilidade prática do ato, como, por exemplo, Fauzi Hassan Choukr[1], para quem o indiciamento é um ato despiciendo, em razão de não produzir qualquer consequência. Entendemos, por outro lado, não assistir razão a tal assertiva.
O referido autor pauta sua argumentação sob o ponto de vista de que o indiciamento não vincula o Ministério Público para o oferecimento da denúncia. Por outro lado, embora negue consequência relevante, o autor reconhece que o mesmo pode gerar constrangimentos extraprocessuais, o que é complementado pela posição de Aury Lopes Junior e Ricardo Jacobson Gloeckner[2], segundo os quais o “momento e a forma do indiciamento deveriam estar disciplinados claramente no CPP, exigindo a imediata oitiva do sujeito passivo que, na qualidade de indiciado, está sujeito a cargas”[3].
Ainda sobre o posicionamento de Fauzi Hassan Choukr, é importante destacar, conforme afirma Aury Lopes Junior[4], em nota de rodapé, que a posição daquele foi explicitada sob o fundamento de que “negava consequências jurídicas ao indiciamento para não potencializar a magnitude social e a estigmatização causada pelo ato” e que “prefere negar efeitos para evitar um prejuízo ainda para a imagem do sujeito passivo”.
Tal argumento nos parece absolutamente desprovido de fundamentação jurídica, uma vez que, sob essa perspectiva, a denúncia, da mesma forma, acarreta danos à imagem do sujeito passivo, assim como a sentença condenatória, que ainda não transitou em julgado. Nesse sentido, concordamos com Aury Lopes Junior, quando afirma conceber o processo penal como um sistema escalonado, progressivo ou regressivo de culpabilidade. Esse processo tem origem com o início da investigação criminal, por meio da portaria de instauração do inquérito policial, ou decisão que o valha, e segue em sucessivos atos passando pelo indiciamento, denúncia, recebimento da denúncia, até a condenação ou absolvição, cada um com seus efeitos sob o sujeito passivo.
Tratando-se de ato que indica o juízo da autoridade policial que preside a investigação de que logrou alcançar indícios da prática de crime e sua autoria, não vemos como não se atribuir efeitos ao ato de indiciamento. O efeito principal do ato de indiciamento é firmar a condição do sujeito passivo como autor da infração criminal, sob a ótica do delegado de polícia, no curso da investigação.
Por óbvio, tal juízo deve ser decorrente dos elementos obtidos durante a investigação criminal que, conforme ressaltam Aury Lopes Junior e Ricardo Jacobsen Gloeckner, necessita de “um despacho sério e fundamentado da autoridade policial”[5].
Quanto ao momento do indiciamento, em que pese Aury Lopes Junior e Ricardo Jacobsem Gloeckner defendam que, “primeiro o suspeito deve ser interrogado, para posteriormente decidir a autoridade policial entre indiciar ou não”[6], entendemos equivocada a posição, uma vez que o ato do interrogatório pressupõe o ato do indiciamento.
Dessa forma, caso o delegado de polícia ainda não tenha seu convencimento formado, deve ouvir o suspeito, nessa condição, como declarante, caso o mesmo pretenda prestar esclarecimentos. Caso contrário, já existindo nos autos elementos suficientes que apontem a autoria e materialidade, deve a autoridade policial proceder ao indiciamento e, então, ao interrogatório. Assim, o momento do indiciamento deve ser aquele no qual a autoridade policial forme sua convicção quanto à autoria do ilícito penal investigado.
Na jurisprudência, claramente tem sido reconhecido que o ato do indiciamento possui efeitos jurídicos, conforme se pode observar no julgad...
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