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18 de Abril de 2024
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    Prisão cautelar de Delcídio do Amaral é elegia ao Estado de Direito

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 8 anos

    A prisão cautelar do senador Delcídio do Amaral representa o descortinar de um Estado de exceção, verdadeira antítese do Estado de direito, a partir da materialização de um processo penal no qual os direitos e garantias fundamentais de um grupo são explicitamente violados e a separação das funções do poder é colocada em xeque.

    No presente artigo, pretende-se análise da nova modalidade de prisão criada ao arrepio da Constituição Federal e da legislação processual penal pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão da lavra do ministro Teori Zavascki. Trata-se do que podemos chamar de prisão cautelar de congressista em situação de flagrância: um híbrido entre a prisão em flagrante e a prisão preventiva, aliada à desconsideração da imunidade parlamentar, jabuticabalmente forjada no contexto de um processo penal de exceção.

    Dessa forma, independentemente de uma análise detalhada acerca da (in) existência concreta dos pressupostos utilizados como fundamento para a decretação da prisão no caso concreto, as linhas que se seguirão cingem-se a uma abordagem desta modalidade de prisão cautelar jurisprudencialmente construída pelo Supremo Tribunal Federal sob a ótica processual penal e suas implicações perante o Estado de direito.

    A existência de um Estado de direito pressupõe dois elementos básicos, quais sejam, a delimitação interdependente das funções do poder e o respeito aos direitos fundamentais. A partir da violação desses pressupostos exsurge a figura do Estado de exceção, lapidarmente definido por Pedro Serrano como “a contrafação do Estado de direito” [1] e situado por Giorgio Agamben “como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”. [2]

    Incialmente, cumpre destacar que a prisão cautelar do senador Delcídio Amaral foi pleiteada pelo Ministério Público Federal explicitamente na forma de prisão preventiva, requerendo o afastamento (travestido de flexibilização) das normas constitucionais pertinentes, em prol da criação de uma nova hipótese de prisão preventiva destinada aos congressistas.

    Em sua manifestação, o procurador-geral da República reconhece que a Constituição Federal apenas autoriza a prisão de congressista em flagrante por crime inafiançável. Nesse sentido, afirma que a “regra prevista no dispositivo é, aparentemente, absoluta, e a exceção, limitadíssima. Com efeito, a prisão cautelar não é cabível na literalidade do dispositivo”. [3]

    Todavia, propõe a superação da interpretação literal da Constituição Federal a fim de que seja decretada a prisão preventiva de congressista, uma vez presentes três pressupostos: (i) clareza probatória “em patamar que se aproxime aos critérios legais da prisão em flagrante”, (ii) pressupostos legais da prisão preventiva e (iii) inafiançabilidade do crime. [4]

    Ora, trata-se de verdadeira sentença de morte ao artigo 53, § 2º, da Constituição Federal, que não faz qualquer ressalva ao dispor que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”.

    Com efeito, não há espaço para qualquer interpretação (além da literalidade) apta a autorizar a transcendência da expressão “flagrante de crime inafiançável” aos pressupostos imaginados pelo Ministério Público Federal, notadamente a existência de uma suposta clareza probatória que se aproxime aos critérios de flagrância, seja lá o significado que tal expressão possa assumir.

    Isso porque esta interpretação criativa (para dizer o menos) causa evidente prejuízo ao sujeito a quem se imputa a prática delitiva, o que é vedado pela legislação processual penal, que apenas admite a interpretação extensiva e aplicação analógica, jamais um “interpretação sistemática” que contradiga o conteúdo explícito da Constituição Federal.

    A acusação propõe explicitamente a violação de uma garantia fundamental assegurada pela Constituição Federal, o que não chega a surpreender se observarmos a postura de alguns membros da instituição no passado recente e suas “10 medidas de combate à corrupção”, que visam ao fim de direitos e garantias individuais em nome de um suposto combate [5].

    Trata-se, dia após dia ― notadamente após os protestos e manifestações ocorridos no país em junho de 2013 ―, da construção de um processo penal de exceção a partir de referências a um combate em que o “corrupto” figura como inimigo.

    Conforme destacado por Zaffaroni, este inimigo que dá origem ao processo penal de exceção “só é considerado sob o aspecto de ente perigoso ou daninho” e sua construção se verifica a partir da “distinção entre cidadãos (pessoas) e inimigos (não-pessoas)”, levando à construção de um sistema que pressupõe a existência de “seres humanos que são privados de certos direitos individuais”. [6]

    Desse modo, a partir da distinção de um grupo identificado como inimigo passa-se à violação de seus direitos e garantias fundamentais, circunstância que assume a mais nítida repercussão diante da persecução criminal. Além disso, no caso da criação de uma nova forma de prisão cautelar por um órgão do Poder Judiciário direcionada a um membro do Poder Legislativo, há ataque ao próprio equilíbrio e interdependência das funções do poder.

    No contexto de um verdadeiro Estado de direito, outra solução não caberia ao Supremo Tribunal Federal senão refutar a nova modalidade de prisão preventiva proposta pelo representante máximo do Ministério Público Federal, forjada a partir da violação de uma norma constitucional que simultaneamente se consubstancia em garantia individual e limite à separação das funções do poder.

    Todavia, o Supremo Tribunal Federal atendeu ao pleito do Ministério Público Federal, a partir da criação de novos ― e distintos daqueles originalmente propostos em manifestação assinada pelo procurador-geral da República ― fundamentos, requisitos e pressupostos.

    Sem embargo, cumpre destacar uma vez mais que a decretação da prisão preventiva de congressistas, a partir da superação da norma constitucional, estaria fundamentada pelo Ministério Público Federal em três pressupostos, quais sejam (i) clareza probatória similar à flagrância, (ii) requisitos da prisão preventiva e (iii) inafiançabilidade.

    De plano, salta aos olhos que a decisão de lavra do ministro Teori Zavascki não decretou a prisão preventiva ou em flagrante (o que seria ainda mais absurdo, dada a natureza pré-cautelar da medida) do senador Delcídio do Amaral. Ao contrário da redação utilizada em decisão proferida pelo ministro no mesmo dia, que determinou expressamente as prisões temporária e preventiva de André Esteves e Diogo Ferreira [7], no caso do senador Delcídio do Amaral...

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/prisao-cautelar-de-delcidio-do-amaral-e-elegia-ao-estado-de-direito/260941396

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