Legislação brasileira não prevê obrigatoriedade da ação penal
A doutrina e jurisprudência majoritárias no Brasil afirmam que prevalece o princípio da obrigatoriedade da ação penal e isso é reforçado nos concursos e escolas de Direito sem muita reflexão. Não raro chegam a afirmar que o Código de Processo Penal define categoricamente que a ação penal é obrigatória. De fato, acreditei durante quase décadas nessa afirmativa, mas atualmente, por meio de pesquisas e estudos, a questão já não é mais tão cristalina.
Geralmente os doutrinadores tradicionalistas citam quatro artigos do CPP para fundamentar esta ideologia da obrigatoriedade:
Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
Art. 42. O Ministério Público não poderá desistir da ação penal.
Art. 576. O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto.
Oportuno destacar que os artigos acima datam de 1941 e não foram atualizados pelas legislações posteriores até a presente data. Na época, as estruturas jurídica e do Ministério Público eram outras, pois nem existia a carreira. No entanto, nenhum dos artigos citados diz claramente que a ação penal é obrigatória. Afinal, o Ministério Público não pode desistir do recurso que haja interposto, mas nada impede que o Procurador em segunda instância manifeste pela absolvição e nem que o promotor, em primeira instância, deixe de recorrer. Logo, a questão é nebulosa.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 passamos de um processo penal inquisitivo para um processo penal de partes, mas a Lei e a cultura jurídicas brasileiras têm dificuldade em assimilar essa situação.
Outrossim, esta obrigatoriedade da ação penal é expressa na Constituição Italiana, mas cujo texto foi escrito em 1947, conforme texto abaixo:
Art. 112 - O ministério público tem obrigação de exercitar a ação penal.
No entanto, embora ainda prevaleça no texto constitucional, a legislação italiana criou várias possibilidades de se mitigar essa obrigatoriedade como ampliar a ação penal pública condicionada para pequenos furtos (representação da vítima), o que significaria quase 40% dos Inquéritos Policiais no Brasil, e também ampliou a possibilidade de negócios penais, espécie de acordos entre Promotoria e Réus para evitar processos, audiências preliminares, e várias outras medidas para se evitar a instrução.
Na Espanha também prevalece o princípio da obrigatoriedade da ação penal, mas se permite às partes um acordo para abreviar o rito processual e obter uma sentença mais rápida.
Em regra, na maioria dos países prevalece o princípio da oportunidade, o qual se contrapõe à obrigatoriedade. Ou seja, cabe ao Ministério Público avaliar a oportunidade de se ajuizar a ação penal, mesmo tendo provas e sendo o fato ilícito, mas que por falta de pauta de audiências ou por estar priorizando o combate ao homicídio, a ação não seria ajuizada neste momento.
Portanto, nem precisa ser um arquivamento definitivo, mas pode ser mero arquivamento provisório, o que não é vedado pela lei e o Judiciário acaba fazendo quando em 2010 marca audiências para 2016, mas em uma ordem meramente cronológica, o que acaba violando a eficiência da segurança pública.
Na Alemanha, a disponibilidade prevalece apenas para delitos de bagatela, o que já seria um enorme avanço no Brasil. E essa situação é diferente de se permitir transação penal, pois não raro esses processos têm que tramitar por falta de localização do autor ou por descumprimento, o que tumultua a pauta por delitos que tendem a estarem prescritos.
Na França, o Ministério Público pode deixar de ajuizar a ação penal por questões de oportunidade, mas se ajuizar a ação penal, não pode desistir. Em Portugal, também se permite ao Ministério Público arquivar inquéritos relativos a delitos com penas inferiores a seis meses.
No Brasil, com a recente modif...
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