União não pode interferir na gestão estadual dos depósitos judiciais
Em texto anterior, veiculado nesta Conjur,[1] um dos Autores tratou de questão das mais controversas do momento: a possibilidade de entes federados se valerem de parcela do dinheiro (bem fungível) depositado em processos judiciais ou administrativos, para fazer frente a despesas diversas.
Como esclarecido naquela oportunidade, não foram apresentados até agora, seja pelos proponentes das ações, seja por juristas que chegaram a se manifestar, argumentos jurídicos capazes de infirmar a presunção de constitucionalidade que milita a favor das leis.[2]
A indignação é de índole político-econômica e, talvez, psicológica, mas não propriamente jurídica. No plano da psique, pode-se atribuir o desconforto de alguns em relação à inovação ao fato de que novidades costumam incomodar (argumentum ad antiquitatem), principalmente aqueles que se sentem prejudicados.[3]
À luz de uma racionalidade exclusivamente econômica, norteada pelo auto-interesse, leis novas tendem a produzir “ganhadores” e “perdedores”, na medida em que alteram a ordem social vigente.[4]
No que tange às leis sobre depósitos, não há dúvidas sobre quem teria, nesse sentido restrito, saído “perdendo”: os bancos, que sempre se utilizaram dos recursos depositados, com fins de alavancagem, sem que qualquer reparo fosse feito, quer pela doutrina processualista, quer pela crítica juspublicista.
A verdade, contudo, é que essas leis foram democraticamente aprovadas por manifestação da soberania popular, com o fito específico de disciplinar o uso de depósitos judiciais e extrajudiciais em prol da coletividade, assim corrigindo a absurda situação jurídica pretérita de favorecimento das instituições financeiras. Daí, a pretensão de vê-las declaradas inconstitucionais não se sustentar a uma análise séria dos argumentos apresentados.
A argumentação declinada assenta-se em falácias lógicas, razões pragmáticas e ideológicas, truques de retórica (como slippery slope, argumentum in terrorem, e falseada reductio ad absurdum),[5] partindo de receios infundados acerca da aptidão institucional dos entes da federação de dar cumprimento ao disposto nas leis.
O que mais preocupa é que, na falta de fundamentos jurídicos sólidos, tem havido uma tentativa de redirecionamento da discussão para outras áreas, como a economia e as ciências contábeis e atuariais, em detrimento do direito.[6] Constata-se, assim, um apego excessivo a razões de ditas “de fato” (as aspas se justificam por se tratar de meras especulações), no que diz respeito à capacidade financeira das unidades federadas, algo incompatível com um controle abstrato de constitucionalidade.[7]
Como resultado prático, tem prevalecido uma argumentação consequencialista (argumentum ad consequentiam), dirigida por um subjetivismo econômico-probabilístico e por um decisionismo voluntarista, que acabam por exigir dos magistrados um comportamento ativista, na qualidade de atores políticos stricto sensu.[8]
Ocorre que a única consequência a se considerar, no caso do uso dos depósitos, é de que os valores em juízo serão devolvidos, haja vista a previsão legal de:
(i) Fundos de Reserva mais exigentes que o depósito compulsório fixado pelo Banco Central; e
(ii) prazo máximo para a entrega das quantias requisitadas, bem inferior ao previsto na Lei 1.952/99, do Mato Grosso do Sul, a qual foi considerada constitucional no julgamento da ADI 2.214.
E mais: como mencionado no texto anterior, algumas leis preveem, inclusive, o bloqueio direto, pela internet, das contas do executivo e a suspensão automática das transferências, na eventualidade de o fundo ficar abaixo da porcentagem fixada, como ocorre em Minas Gerais (Lei 12.720/15).
No modelo anterior, os depositantes eram obrigados, pela dinâmica que lhes impunha o Estado-juiz, a correr os riscos da solvência das instituições financeiras que custodiam os depósitos. Já pela novel sistemática legal, o que se tem, a rigor, é a desoneração dos depositantes do risco de solvência das instituições financeiras, colocando-se o Estado (ente tributante) no lugar de garantidor.
Como ficou bastante claro com o crash de 2008, desencadeado a partir dos Estados Unidos, quando os bancos quebram, é o Estado que é chamado a socorrê-los (bailouts).[9] Portanto, se alguma questão constitucional há que ser resolvida, esta se restringe à compatibilização da LC federal 151/15 com as leis estaduais, e não ...
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