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19 de Abril de 2024

A proibição do Minha Luta e o necessário debate sobre a liberdade de expressão

Publicado por Consultor Jurídico
há 8 anos

Passados mais de 70 anos da morte de Adolf Hitler, o misticismo que envolve o livro “Minha luta” parece estar longe de ter fim. Nesse início de 2016, a história ganhou dois novos capítulos. Na Alemanha, discute-se a volta da comercialização da obra, que, desde janeiro, passou a ser de domínio público, nos termos da legislação autoral alemã. Já aqui, em terra brasilis, um juiz de primeiro grau do estado do Rio de Janeiro proibiu a venda de exemplares,[1] reacendendo a – sempre necessária – discussão sobre a liberdade de expressão.

Em meio ao processo de desnazificação do pós-guerra, o legado de Hitler e de outros líderes nazistas foi atribuído ao Ministério de Finanças do Estado da Baviera, por meio de decisão proferida em 1948 pelo Tribunal estadual bávaro. Essa herança milionária é, desde então, administrada pela Baviera, a quem coube determinar o que seria feito com grande parte dos mais diversos tipos de bens dos nacionais-socialistas. O antigo apartamento de Hitler em Munique, na Prinzregentenplatz, abriga hoje, por exemplo, um escritório da polícia local.

Em relação ao Mein Kampf, o Estado da Baviera decidiu não autorizar a publicação de novos exemplares. Ou seja, a proprietária dos direitos autorais utilizou-se de sua liberdade negativa de publicação e não permitiu que edições continuassem a ser impressas.

Em 31 de dezembro de 2015, setenta anos após a morte de Hitler, sua obra panfletária passou a ser de domínio público. Com isso, o Instituto de História Contemporânea (Institut für Zeitgeschichte) de Munique preparou uma edição comentada do livro, indicando trechos que apresentam contradições históricas e argumentos absurdos. Lançada no início de janeiro, a versão comentada logo precisou ser reimpressa e passou de pronto a ocupar a lista dos best-sellers nacionais.

O Estado da Baviera já manifestou, todavia, que não apoiará publicações do Mein Kampf que não sejam acompanhas por comentários históricos. Trata-se de decisão que não foi tomada de forma isolada, mas após muitas discussões nas esferas política, acadêmica, diplomática, com a participação, inclusive, de todos os estados da federação.[2] Portanto, nem a Baviera, até então detentora dos direitos autorais do livro, tomou sozinha a decisão de evitar sua circulação.

Por aqui, o tema também voltou à pauta nesse início de 2016. Na semana passada, um juiz de direito do Rio de Janeiro deferiu medida cautelar para “determinar a proibição de exposição, venda, ou divulgação a qualquer título, da obra intitulada “Minha Luta”, de Adolf Hitler”, fixando “multa no valor de cinco mil reais por exemplar divulgado ou vendido, em descumprimento a esta decisão”.[3]

O juiz acatou pedido formulado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para impedir a comercialização do livro “diante do evidente conflito existente entre os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, especificamente, a defesa da pessoa humana” e indicando que “qualquer manifestação de pensamento apto a ensejar o fomento a qualquer forma de discriminação à pessoa humana, contraria os mais basilares valores humanos e jurídicos tutelados pela República Federativa do Brasil.”.

O fumus boni iuris e o periculum in mora estariam configurados, “o primeiro na própria demonstração da existência da obra que apregoa o nazismo; o segundo, considerando a urgência em evitar a disseminação do livro com ideias contrárias aos direitos humanos, que é fundamento e objetivo fundamental da República Federativa do Brasil.”. Ressalte-se que no Brasil o livro vem sendo publicado por diversas editoras desde 1934.

João Pereira Coutinho, em coluna dessa semana na Folha de S.Paulo, relata a importância do acesso à obra, em especial pelos estudantes de ciência política, e indica sua reação ao ler sobre a decisão: “Quando li a notícia, pensei que fosse brincadeira de Carnaval. Não era. O riso continuou.”[4] Do ponto de vista jurídico, infelizmente, a reação não pode ser muito diversa.

A decisão foi fundamentada na dignidade da pessoa humana (art. , III, CF), na prevalência dos direitos humanos e no repúdio ao racismo e ao terrorismo (art. , II e VIII, CF), e em um único precedente do Supremo Tribunal Federal, o HC 82.424/RS, o conhecido caso “Ellwanger”.[5] Não há menção, no entanto, a outros preceitos constitucionais, que foram solenemente ignorados,[6] como a garantia a livre expressão da atividade intelectual, científica e de comunicação; a promoção e o incentivo a pesquisa.

A liberdade de expressão representa o direito assistido a todos de manifestar seus pensamentos e convicções, sem qualquer intervenção estatal a priori[7]. Essencial a qualquer regime democrático, é garantida pela Constituição de 1988, que não a adota como gênero que englobe a livre manifestação de pensamento, a liberdade de consciência e de crença, a livre expressão de consciência, e outras manifestações similares. De qualquer forma, é inevitável que, pelo seu caráter, sejam tratas em conjunto.[8]

É certo, todos sabemos, que a liberdade de expressão não é absoluta, mas possui restrições impostas pelo constituinte, além das que resultam da colisão com outros direitos ou valores constitucion...

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1 Comentário

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Proibir a circulação do "Mein Kampf" não seria uma atitude meio....

....nazista? continuar lendo