Jurisprudência consolidada na Súmula 534 do STJ necessita de revisão
Fato marcante na grave crise que atravanca a economia nacional nos últimos anos é a avalanche de quebras de contratos de promessa de venda de imóveis integrantes de incorporações imobiliárias, que no ano de 2015 superou a marca de 40% dos contratos.
O fenômeno põe em destaque a necessidade de harmonização do interesse individual do promitente comprador inadimplente e do interesse comum da coletividade dos contratantes, visando afastar ou mitigar o risco de colapso da incorporação.
O risco existe porque o capital de uma incorporação imobiliária limita-se às receitas da comercialização das unidades, que, em regra, se faz mediante contratos de promessa de compra e venda.
Dada essa limitada capacidade de levantamento de capital, o direito positivo contempla normas de proteção do patrimônio da incorporação, com a preservação do fluxo das receitas geradas pelos contratos de promessa e sua vinculação à realização do objeto da incorporação — execução da obra, liquidação do passivo e retorno do investimento.
Para enfrentamento dos riscos decorrentes da quebra de contratos de promessa no curso da operação, a Lei 4.591/1964 preconiza a pronta recomposição do capital da incorporação mediante revenda em leilão do imóvel do inadimplente, de modo a viabilizar a captação de recursos necessários ao resgate do débito pendente e possibilitar o aporte de recursos pelo novo adquirente. Resgatado o débito, entrega-se o saldo ao adquirente inadimplente.
Alternativamente, a solução para o inadimplemento da obrigação do promitente comprador pode ser alcançada mediante ação judicial de resolução da promessa, mas nesse caso a eventual restituição ao adquirente antecede à recomposição do capital da incorporação, que permanece deficitário ao longo de todo o curso da ação. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se nesse sentido no enunciado da Súmula 543, publicada em 31 de agosto de 2015, do seguinte teor: Súmula 543. “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador — integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.”
A divergência entre o critério instituído pela Lei 4.591/1964 — recomposição do capital mediante venda em leilão e posterior restituição do saldo daí resultante — e o construído pela jurisprudência — restituição imediata, de uma só vez, antes e independente da recomposição do capital — suscita reflexão sobre os efeitos da quebra de contratos de promessa sobre o interesse comum da coletividade dos contratantes.
Caracterizada como negócio jurídico pelo qual se convenciona a transmissão de direito aquisitivo sobre imóvel (Código Civil, artigo 1.417), a promessa de compra e venda tem também função de captação de recursos para formação do capital da incorporação imobiliária (Lei 4.591/1964, artigos 28 e seguintes).
A promessa sujeita-se ainda ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) quando caracterize relação de consumo, mas suas normas não interferem na tipicidade e funcionalidade do contrato, pois incidem “nos limites da realidade do contrato, sua estrutura, tipicidade e funcionalidade” para evitar que que se chegue “ao ponto de transformar um contrato de compra e venda em doação, ou desfigurar um contrato de seguro ou de transporte sob pena de fazer direito alternativo.”[1]
É que em relação à legislação que dispõe sobre o regime jurídico dos contratos, como observa Cláudia Lima Marques, o CDC é lei geral, pois regula as relações de consumo sem tratar “exaustivamente ou especificamente de nenhuma espécie de contrato em especial, mas impondo novos patamares gerais de equilíbrio e boa-fé”.[2]
Suas normas convivem com as normas especiais, prevalecendo estas sobre as do CDC naquilo que têm de peculiar.
É como tem reconhecido a jurisprudência dos tribunais superiores, a exemplo da decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.591, que reafirma a incidência do CDC sobre os contratos bancários, quando caracterizem relação de consumo, mas ressalva a preponderância das normas especiais de tipificação e funcionalidade dessa espécie de contrato.[3]
Alinhado a essa interpretação, o Superior Tribunal de Justiça reconhece a prevalência da lei especial sobre o CDC, no que tange à tipificação da promessa de compra e venda e da alienação fiduciária de bens imóveis, contratos empregados com frequência na atividade da incorporação imobiliária.
É nesse sentido o acórdão do Recurso Especial 80.036-SP, relator ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, segundo o qual “o contrato de incorporação, no que tem de específico, continua regido pela lei que lhe é própria (Lei 4.591/64)”. No mesmo sentido, ao julgar os quatro Recursos Especiais submetidos ao STJ até o final de 2015, relativos a ev...
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