Ação em sentido material ainda existe em nosso sistema jurídico? (Parte I)
Inicio, com enorme satisfação, a minha participação na Coluna Direito Civil Atual, dirigida pela Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo e coordenada pelos ministros Luís Felipe Salomão, Antonio Carlos Ferreira e Humberto Martins, ao lado dos professores Ignacio Poveda, Otavio Luiz Rodrigues Junior, José Antonio Peres Gediel, Rodrigo Xavier Leonardo e Rafael Peteffi da Silva. Este vem sendo, reconhecidamente, um espaço privilegiado para discussões verticalizadas, e ao mesmo tempo extremamente atuais, de dogmática jurídica de Direito Privado, e espero me manter fiel a essa proposta, a começar pelo tema ora enfrentado.
No Código Civil de 1916, havia dois artigos de teor emblemático, mas que sempre desafiaram a inteligência dos estudiosos (tanto dos mais atentos como dos mais despreocupados): estou me referindo aos artigos 75 e 76 do antigo Estatuto Civil. Eis o texto dos referidos dispositivos:
“Art. 75. A todo o direito corresponde uma ação, que o assegura.”
“Art. 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legitimo interesse econômico, ou moral.”
Poucos foram os que conseguiram entender o verdadeiro sentido e a verdadeira importância dos citados dispositivos – neles, está em jogo um conceito hoje quase esquecido pela doutrina jurídica média brasileira, o conceito de ação em sentido material. Trata-se de conceito que, uma vez bem compreendido, corresponde à noção de garantia, o quarto elemento da teoria geral da relação jurídica, em sua versão original desenvolvida no âmbito da Escola Pandectista, no século XIX.
Em Portugal, graças a autores como Manuel Domingues de Andrade[1], Luís Cabral de Moncada[2] e Carlos Alberto da Mota Pinto[3] o elemento garantia permanece vivo na cultura jurídica daquele país – o que, não se pode negar, é facilitado pela redação exemplar dos artigos constantes do Subtítulo IV (“Do Exercício e da Tutela dos Direitos”) do Título II (“Das Relações Jurídicas”) da Parte Geral do Código Civil português, os quais tocam diretamente a matéria atinente à garantia das relações jurídicas em geral. Não é à toa que um grande civilista brasileiro já afirmou que o Código Civil português, embora diploma de Direito positivo, poderia perfeitamente servir como um manual didático de Direito Civil, dada a clareza de muitos de seus dispositivos e pela cientificidade exemplar subjacente à sua estrutura...
É com base na obra de Mota Pinto, por sinal, que podemos realizar uma formulação suficientemente precisa do que seja a garantia das relações jurídicas: trata-se do conjunto de meios que o ordenamento jurídico coloca à disposição do sujeito ativo de uma relação jurídica, a fim de assegurar a realização do seu direito subjetivo[4] (rectius, das posições jurídicas subjetivas titularizadas por esse sujeito ativo[5]). Estou convencido de que, para além dessa definição analítica do conceito de garantia, tal conceito igualmente corresponde, de forma sintética, à ideia de ação em sentido material, conforme será exposto infra.
No Brasil, porém, somente dispúnhamos dos artigos 75 e 76 do Código Civil de 1916 para o desenvolvimento de uma teoria geral da garantia no âmbito do Direito Civil. Como de costume, o grande autor brasileiro que se lança à tentativa de entender o funcionamento d...
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