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24 de Abril de 2024
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    Interpretação sobre foro privilegiado atrapalha investigações policiais

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 8 anos

    A aplicação da lei penal ao autor de infração penal não deve prescindir de uma investigação preliminar, levada adiante pela Polícia Judiciária (artigo 144 da CF) e moldada por uma série de garantias que exsurgem da própria Constituição. Afinal, como já expusemos noutra oportunidade[1], o inquérito policial não é instrumento unidirecional, porquanto projeta dupla função: preservadora e preparatória.[2] A ausência de compromisso com a acusação ou a defesa permite ao delegado de polícia conduzir a apuração criminal (artigo , § 1º da Lei 12.830/13) de modo a evitar futuras acusações infundadas, conciliando garantismo e efetividade.

    De outro norte, é cediço que a Constituição Federal garante a diversos agentes públicos a prerrogativa de ser processado e julgado perante um tribunal, excepcionando a regra geral de início do processo perante o juízo singular.

    Parte dos estudiosos não enxerga inconstitucionalidade no foro por prerrogativa de função,[3] pois a fixação de competência originária se justificaria pelo fato de o órgão colegiado possuir maior isenção e experiência do que as instâncias ordinárias, conferindo ao detentor de foro especial mais autonomia no desempenho de sua missão.[4]

    Todavia, pesam sobre o instituto fortes críticas, na medida em que consistiria em outorga de maior valor à noção de autoridade do que ao princípio da isonomia, herança de uma legislação elitista, típica de regimes baseados no prestígio do poder e na proteção das pessoas mais abastadas.[5] Protegeria mais a pessoa do que o desempenho da função pública, ao se constatar que a competência penal não guarda necessária vinculação com o exercício das atribuições do cargo.[6] As estatísticas [7] das cortes superiores revelariam que o foro por prerrogativa de função incrementa a morosidade dessas investigações e processos, culminando na extinção da punibilidade e descrédito do sistema.[8]

    Essa prerrogativa vem de longa data, tendo sido estabelecida em sede constitucional (embora com menor amplitude) desde a Carta Política de 1824. A realidade brasileira apresenta enorme quantidade de agentes albergados pelo foro por prerrogativa de função, beneficiados por uma Constituição extremamente generosa que traz aproximadamente 20 hipóteses em seu texto,[9] situação praticamente sem paralelo no direito comparado.[10] Exatamente por isso não são poucas as propostas de emenda à Constituição tramitando no Congresso com o desiderato de extinguir ou restringir o foro especial.[11]

    O constituinte originário consagrou o foro privilegiado na Constituição de 1988 por meio da expressão processar e julgar (não abrangendo o termo investigar). Nessa esteira, a prerrogativa de foro é critério exclusivo de determinação da competência originária do tribunal, quando do oferecimento da denúncia ou, eventualmente antes dela, se se fizer necessária diligência sujeita à cláusula de reserva de jurisdição. Inexiste na Constituição Federal dispositivo demandando autorização judicial para a instauração de inquérito policial ou para o indiciamento do agente público com foro especial. Daí a percepção doutrinária:

    Com a remessa da investigação ao tribunal competente, não se exige a prévia concordância do órgão colegiado (Tribunal Pleno ou Corte Especial) como condição especial de procedibilidade.[12]

    É dizer, a a competência ratione personae não desloca para o tribunal as funções de Polícia Judiciária. A remessa do inquérito policial em curso ao tribunal competente para a eventual ação penal e sua imediata distribuição a um relator não o torna autoridade investigadora, mas apenas lhe comete as funções ordinariamente conferidas ao juiz de primeiro grau, na fase pré-processual das investigações.[13]

    Outrossim, a instauração e inquérito policial para a apuração de fato em que se vislumbre a possibilidade de envolvimento de titular de prerrogativa de foro não depende de iniciativa do chefe do Ministério Público. Tanto a abertura das investigações quanto o eventual indiciamento são atos da autoridade que preside o inquérito, a saber, o delegado de polícia.[14]

    O sistema constitucional de divisão de atribuições e competências não pode ser subjugado pela legislação ordinária ou muito menos por normas regimentais. A competência legislativa para edição do próprio regimento interno não constitui carta em branco aos tribunais (artigo 96, I, a da CF).

    É uma garantia do cidadão que as diferentes funções no bojo da persecução penal sejam desempenhadas por autoridades distintas, evitando a concentração de poderes e o enfraquecimento do caráter democrático do sistema processual penal.[15] Não por outra razão já afirmou a suprema corte que a realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia, e que permitir que o juiz se envolva pessoalmente na realização de diligências e formação de provas que possam posteriormente servir de base para o seu próprio julgamento compromete sua imparcialidade e consequentemente o princípio do devido processo legal.[16]

    Nesse panorama, posicionar um juiz inquisidor para comandar um inquérito judicial consubstancia-se em inegável retrocesso, que rememora a malfadada figura do inquérito judicial de crimes falimentares[17]. De mais a mais, a investigação judicializada revela-se lenta e burocratizada, por diversos motivos: sobrecarga de competências dos tribunais, falta de vocação pela dinâmica investigativa, tendência a substituir a exigência de probabilidade pela certeza, certo grau de corporativismo, ausência de suficientes conhecimentos teóricos e práticos dessa atividade e falta de apoio de órgãos técnicos.[18]

    Nesse sentido a precisa lição da doutrina:

    Conquanto ostentando a prerrogativa de foro para processamento e julgamento dos crimes de que se vejam acusadas, nem por is...

    Ver notícia na íntegra em Consultor Jurídico

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