Independência funcional é prerrogativa do delegado e garantia da sociedade
É indene de dúvidas que o ordenamento jurídico pátrio adotou o sistema processual penal acusatório, que outorga a atores distintos as funções de investigar, acusar, defender e julgar. Nessa vereda, assume especial relevo num Estado Democrático de Direito a investigação criminal levada adiante pela Polícia Judiciária. Cuida-se da instituição com maior aptidão a levar adiante a apuração criminal, sem desconsiderar a admissibilidade excepcional de investigação preliminar por outros órgãos estatais.
Com efeito, o delegado de polícia é a autoridade vocacionada a conduzir a fase investigativa (artigo 144 da CF) e responsável por presidir com exclusividade e discricionariedade o inquérito policial (artigo 2º, § 1º da Lei 12.830/13). Constatação esta chancelada pela Corte Suprema[1], que afasta a possibilidade de qualquer outra autoridade comandar o procedimento policial.
A outorga constitucional e legal de protagonismo na investigação penal à Polícia Judiciária ganha sentido ao se perceber que se qualifica como órgão desvinculado da acusação e da defesa, possuindo compromisso voltado à apuração da verdade,[2] o que repele um suposto caráter unidirecional.[3] Seu primeiro benefício não é perseguir o criminoso, mas proteger o inculpado.[4] Aliás, não por acaso o inquérito policial é presidido pelo delegado de polícia, que tem o dever de atuar como um assegurador de direitos, ora da sociedade (quando decreta a prisão em flagrante de uma pessoa, por exemplo), ora do próprio investigado (garantindo todos os seus direitos constitucionais).
Ademais, o fato de a Polícia Judiciária estar posicionada topograficamente no capítulo da Constituição que trata da segurança pública não impede o seu reconhecimento como função essencial à justiça.[5] Daí a proclamação dos Tribunais Superiores no sentido de que o delegado de polícia age stricto sensu em nome do Estado[6], integrando carreira jurídica.[7]
Assim, a finalidade do procedimento preliminar não deve ser vislumbrada sob a ótica exclusiva da preparação do processo penal, mas principalmente à luz de uma barreira contra acusações infundadas e temerárias[8], além de um mecanismo salvaguarda da sociedade, assegurando a paz e a tranquilidade sociais.[9]
Essa investigação preliminar deve ser feita com forte respeito aos direitos fundamentais estampados na Constituição da República, evitando ao mesmo tempo o excesso punitivo contra o investigado e a proteção insuficiente da sociedade,[10] daí porque a chamamos de devida investigação criminal constitucional[11]. Isso significa que a investigação criminal deve desenvolver-se com a observância dos valores e princípios constitucionais, buscando o necessário equilíbrio entre garantismo e efetividade na primeira fase da persecutio criminis.
Não se discute que o inquérito policial repercute nos bens jurídicos mais caros ao cidadão, a saber, liberdade, patrimônio e intimidade, retirando o eu e suas circunstâncias.[12] Nesse sentido, não faria sentido algum conferir à autoridade de Polícia Judiciária tamanho poder decisório se tivesse receio de decidir conforme sua consciência, embasado no ordenamento jurídico.
A independência funcional afasta a hierarquia funcional entre integrantes da carreira de delegado de polícia, que se limita ao aspecto administrativo, em nada afetando o controle interno perante a Corregedoria de Polícia na fiscalização do respeito ao ordenamento jurídico (sem adentrar no mérito das decisões).
E tampouco prejudica o controle externo do Ministério Público, porquanto a liberdade de atuação do delegado de polícia vincula-se à atividade-fim, enquanto o dever de fiscalização do promotor de justiça restringe-se à atividade-meio, sem importar em qualquer hierarquia funcional entre essas...
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